Homens em Fúria

por Vinicius Carlos Vieira em 06 de Maio de 2011

Poster Homens em FúriaAntes de qualquer coisa (a começar pelo título), Homens em Fúria engana. Por um segundo, parece ser uma espécie de thriller envolvendo um presidiário, mas na verdade é um drama denso e inquieto, daqueles que te espremem contra a poltrona e não te deixam respirar direito até o último segundo, já que é impossível apostar em um final que não seja, no mínimo, indigesto.

Nele (no filme, não no final) Robert De Niro é Jack, um oficial de condicional de um presídio que encontra pela frente a figura de Stone (que também batiza o título original), um cara todo tatuado, verborrágico e que vê em Jack seu passe de saída, ainda mais quando entra em cena sua esposa (Mila Jovovich), que não poupa esforços para tirar Stone da cadeia, nem que para isso tenha que seduzir o oficial.

Esse emaranhado emocional é completado com a presença da esposa do personagem de De Niro (Frances Conroy) que parece vagar como um fantasma em torno desse homem. Mas nem o cineasta John Curran, muito menos o roteiro de Angul MacLachlan, parecem interessados em nenhuma situação que esse quarteto de personagens possa criar, mas sim neles próprios, e isso é um verdadeiro presente para o espectador que vai de encontro a Homens em Fúria esperando apenas mais uma história comum.

Na verdade Homens em Fúria é um presente maior ainda para esses quatro atores, que não só movimentam essa trama, como “são” essa trama. Se no começo, esse franck é apresentado como esse cara, ainda jovem, que apenas estende sua mão em direção ao chá que sua mulher lhe traz enquanto não tira os olhos de um monótono jogo de golfe na TV, em poucos segundos, suas próximas ações criam esse sociopata a espera de um empurrão, uma panela de pressão prestes a estourar, sobra então ao espectador ter que acompanhar esse personagem tomado por uma espécie de culpa que o esmaga (que até passa por um problema religioso, mas é resultado, mais ainda, desses erros do passado com os quais precisa conviver).

E Curran aposta nisso, nesse eixo central esfacelado da figura do oficial de condicional, e acerta mais ainda ao ter o cuidado de fundamentar sua trama não só no contato entre esses quatro personagens, mas em suas presenças. Cada um deles, a seu modo, são fortemente apresentados como esse trio que está ali para esmagar o protagonista e levá-lo até seu limite moral e ético, ranchando-o, atormentando-o e pressionando-o até o chão, agachado sobre um caixa, no assoalho de seu escritório prestes a se aposentar e descobrindo que aquela abelha que não consegue escapar pela janela pode ser ele mesmo dali para frente.

Assim, como esse mesmo inseto que é esmagado no começo do filme. Como sua esposa, que não consegue fugir dessa dor e desse peso, impedida de encontrar sua janela, sua vida fora daquela vida. E talvez, Homens em Fúria seja sobre essas duas mulheres, obrigadas a conviver com os erros do marido e vivendo sobre a sombra desses homens obsessivos e perdidos.

Se pela boca de Stone, Lucceta (Jovovich) é completamente maluca, passeando até por uma certa depravação sexual (que, muito provavelmente, é a primeira isca para seu oficial de condicional), Curran prefere, ironicamente, não só apresentá-la ao público, cercada de crianças, mas, no resto do tempo, tratá-la como uma moça sorridente, simpática, que é capas de trair Stone com um telefonema, mas em nenhum momento coloca em prova essa ligação entre os dois, com um jeito infantil até, que brilha na presença do parceiro, mas parece exalar uma simpatia maquiavélica que a levaria a conquistar o mundo. Deliciosamente sedutora, porém, como o próprio Stone faz questão de lembrar, “um alien, uma jogadora”, que faz do mundo seu tabuleiro.

Na quarta ponta desse quadrado (ou desse trio que rodeia/esmaga o protagonista) surge esse Stone de Edward Norton, que some por detrás desse criminoso e vai sendo descascado como uma cebola, só que, a cada camada trazendo consigo uma surpresa, que vai da total insanidade a uma aparente loucura religiosa. Se De NiroRobert De Niro em Homens em Fúria é essa força da natureza, escondido por esse personagem falho e todo rachado, Norton é a última peça que falta nesse quebra-cabeça, que o permite ser, pela primeira vez na vida, enfrentado (já que ele parece saber que é ele próprio seu principal inimigo, mas não tem forças nem para olhar, para encarar isso, quanto mais para lutar contra).

Por um momento, Curran faz sua câmera sair do eixo de De Niro e ver o mundo a partir dos olhos desse Stone, como se, naquele momento, o espectador pudesse, finalmente entender que tudo aquilo, na verdade, rodava ao redor desse oficial de custódia e que todo conflito que o filme precisaria para chegar ao seu final vem dele mesmo, da visão deturpada que a vida lhe possibilitou enxergar, desses erros e decisões.

E o mais importante, e o maior acerto, de Homens em Fúria é justamente isso, essa possibilidade inesgotável de ser encarado, essa enorme vontade de ser lido, relido e entendido em todas suas possibilidades, com esse quarteto de atuações viscerais encarando essa história que não surpreende, não corre, nem tenta sem ser mais do que ela é, e, no final das contas, está ai para ser apreciada por quem é órfão de um cinema que não se contenta em apenas acabar quando as luzes do cinema se acendem.

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Stone (EUA, 2010), escrito por Angus MacLachlan, dirigido por John Curran, com Edward Norton, Milla Jovovich, Robert De Niro e Francis Conroy.

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4 Comentários. Deixe novo

  • Mario Verdibello
    16/08/2020 11:44

    Realmente, foi o melhor comentário de TDS!
    Só n entendi quem ateou …e se a epifania de Stone era mesmo verdadeira…mas acho que homens em fúria se refere ao fato de as vezes precisarmos fazer esse nosso lado animal sobressair e tomar conta das coisas!

  • Vinicius Carlos Vieira
    15/12/2011 22:33

    muito obrigado pelo elogio Rick….espero que você volte sempre e deixe seus comentários…

  • OI,Faço faculdade de Cinema,e como um estudante da sétima arte não posso deixar de parabenizar sua análize crítica do filme. Muito Boa!! O trio de atores dão um show de interpretação mesmo,destaque para Milla Jovovich! ela é o próprio Resident Evil(esquenta)nesse filme! ABRAÇOS!

  • Ridermann
    27/05/2011 17:49

    queria apenar parabenizar a sua exelente analise, que me fez enxergar bem pontos que ainda nao enxergava.
    este é um filme um tanto quanto melancólico, aliaz robert é especialista destes, porém um filme inquietante
    muito doido
    kkk

    abraço

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