E o que falar de Martin Scorsese? Talvez o mais sábio seja apenas observar esse verdadeiro mestre da sétima arte fazer sua magia enquanto nós, reles mortais, permanecemos calados nos escuros de nosso cinemas, perdidos em um sentimento de atração que parece perseguir cada filme seu, e Ilha do Medo acaba se tornando um exercício nesse exato sentido: do quanto o cineasta conseguiria te deixar preso àquela trama.
Por essa razão que a balça onde os dois policiais federais vividos por Leonardo DiCaprio e Mark Ruffalo ultrapassa uma cortina de névoa de um modo quase arrastado antes da câmera de Scorsese encher a tela do cinema com a sua “Shutter Island”, como se tudo que importasse tivesse ficado para trás daquela “pano” branco e agora aquilo, enchendo a visão do espectador, se transformasse na única coisa que interesse. É nessa ilha que na verdade funciona uma espécie de instituto/prisão que lida apenas com condenados psicopatas, e é desse mesmo lugar que acaba sumindo umas das pacientes, caso que acaba caindo nas mãos da dupla de policiais.
Com isso em mente, logo após uma espécie de “manual de instruções para novos visitantes da ilha” (só uma saída, só uma balsa, nada de armas, obrigação de seguir o protocolo), Scorsese começa a dar seu show, criando uma espécie de teia de incertezas, suspense, personagens misteriosos e uma realidade que parece solta, dançando, dentro dela mesma. Um quebra-cabeça psicológico sufocante e sem saída, repleto de nuances que nem o protagonista (DiCaprio), nem o espectador, conseguem juntar as peças. Mas que, diante do final revelador, sobra aquela vontade de dar uns passos para trás à procura daquele monte de enigmas que agora pipocam em sua cabeça. Como se o diretor fizesse questão de criar um cenário que passa despercebido sob nossos olhos, mas com um estranhamento incômodo, que cai como uma ficha quando tudo vem à tona.
É preciso dizer, que essa revelação nem acaba sendo tão surpreendente assim, e que, com certeza, grande parte do público no cinema sacará ela antes mesmo do meio do filme, mas não por uma sagacidade ou experiência, sim por um esforço de Scorsese em deixar no ar pistas e dicas para serem captadas (ou não), uma manipulação divertida, que não engana e tira coelhos da cartola a favor de um final, mas monta uma estrutura precisa e consciente de onde quer chegar e do que quer mostrar. Revisitar Ilha do Medo, atentando apenas para esses detalhes, já como o final na cabeça, provavelmente se mostre uma experiência totalmente diferente e mais divertida ainda. Um filme muito bem amarrado graças, não só ao roteiro de Laeta Kalodridis, que não prima por uma carreira muito interessante (Alexandre e Desbravadores) mas que aqui acerta na mosca ao adaptar o livro de Dennis Lehane (que ainda escreveu a obra que deu origem ao Sobre Meninos e Lobos), como a um apreço narrativo de Scorsese que a nenhum momento deixa a história escapar por seus dedos.
Sem um diretor tão habilidoso quanto Scorsese, talvez Ilha do Medo se tornasse um thriller de suspense linear e sem poder, com ele, se torna uma trama complexa, não só com uma ou outra reviravolta e muito menos como em um truque de mágica fazendo o espectador olhar para um lado enquanto segue para outro, mas sim fazendo seus personagens encararem o espectador, fazendo-os dizer uma coisa mas levando todos no cinema a entender outra, ligando, e esfregando, os pontos da trama na sua cara, mas mesmo assim te fazendo acreditar em outra coisa, uma precisão narrativa digna de um mestre do cinema.
Talvez, no fim, peque um pouco ao necessitar sobrecarregar a última parte do filme com uma longa, porém pertinente, explicação, que deixa pouco para o espectador tirar suas conclusões (mastiga demais), mas que pelo menos serve de desculpa para mais uma pouco de belíssimas sequencias, uma última oportunidade para curtir o show visual que Scorsese e o diretor de fotografia Robert Richardson (ganhador de dois Oscars, parceiro de Oliver Stone, e recentemente tendo feito ainda Bastardos Inglórios) impõe no filme. Precisos em seus enquadramentos, indo beber não em um noir óbvio, mas em um cinema da deácada de cinquenta, mesma que se passa o filme, com suas tramas intrincadas e personagens heróicos que sabem encher uma tela de cinema.
Ilha do Medo é uma daqueles produções que ninguém consegue reclamar, um filme completo, com uma ótima trama, um elenco de apoio sensacional (Max Von Sidow e Jackie Earle Haley dando shows), um Leonardo DiCaprio mais a vontade do que nunca e um diretor de luxo em um momento inspiradíssimo. Provavelmente não sobreviva durante o resto do ano para ser apontado como um dos maiores acertos de 2010, mas com certeza será respeitado pelo equilíbrio e capricho alcançado por Martin Scorsese, mais vivo do que nunca e provando que ainda está longe de perder àquele fôlego de trinta anos (ou mais) anos atrás.
Shutter Island (EUA, 2010) escrito por Laeta Kalogridis, a partir da obra de Denis Lehan, dirigido por Martin Scorsese, com Leonardo DiCaprio, Mark Ruffalo, Bem Kingsley, Max Von Sydow e Michelle Willians
5 Comentários. Deixe novo
[…] trilhas de Touro Indomável, O Rei da Comédia, A Cor do Dinheiro, Casino, Gangues de Nova York, Ilha do Medo, O Lobo de Wall Street, Silêncio e O Irlandês. Um currículo com o diretor que os coloca quase em […]
uhm deixa eu ver se ednenti vc e um X-MEN??????????????????Poupe-me de radicalismo e ignorancia, Eliana! Voce tambem, pesquise e leia todos os comentarios antes de julgar alguem desse jeito. #respeito
Amei o filme! Tanto q nem esperei o marido e assisti sozinha, mas com certeza absoluta ele vai assistir e eu re-assistir, pois como vc falou, deve ser mto legal a experiência de re-assistir já sabendo tudo sobre o filme.
Scorcese é brilhante e DiCaprio está mto bem neste papel mesmo!
Fotografia linda e mto bem feita tb!
UM DOS MELHORES FILMES QUE JA VI!!!!!!!!!!!
Fazia muito muito tempo que não assistia um filme assim: IMPREVISIVEL!
Minha “mente hollydiana mal-acostumada” mi induziu 99,9% do filme a acreditar na “conspiração” ai vem aquele minuto final……..NOSSA, que maravilha!
Concordo, concordo e concordo! Realmente "cai como uma ficha quando tudo vem à tona"… Mas confesso que gostei da explicação mastigada no final; só ela conseguiu me convencer… demorei pra acreditar!