Infiltrado na Klan Filme

Infiltrado na Klan | Obrigatório!


[dropcap]I[/dropcap]nfiltrado na Klan não poderia chegar ao Brasil em momento mais propício. Apenas alguns dias depois de o maior nome da história da Ku Klux Klan, David Duke, declarar seu apoio a Jair Bolsonaro por ele “soar como nós” e ser um “nacionalista”. Nesse mesmo momento, o novo filme de Spike Lee faz sua estreia brasileira na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo em uma sessão lotada, com direito a aplausos e proclamações de “Ele Não” ao final, pois a intenção do cineasta é a de relacionar sua obra ao momento atual da política e da sociedade — especificamente a norte-americana, é claro, mas o que não faltam são similaridades com este nosso período tão enfurecedor.

No início da década de 70, Ron Stallworth (John David Washington, filho de Denzel) torna-se o primeiro policial negro da cidade de Colorado Springs. De cara, ele é avisado que terá que lidar sozinho com qualquer manifestação preconceituosa por parte de seus colegas brancos. Ambicioso, ele logo sai da sala de arquivos para a equipe de detetives, onde, por acaso, depara-se no jornal com um anúncio recrutando interessados na Ku Klux Klan. Como não não quer nada, Ron decide ligar para o telefone divulgado para solicitar “materiais de leitura”. O que ele não esperava é que receberia uma resposta convidando-o a juntar-se à “Organização”. Tem início, assim, uma investigação arriscada e significativa, liderada à distância por Ron enquanto seu colega Flip Zimmerman (Adam Driver) assume seu nome nas reuniões e eventos presenciais da KKK.

As marcas registradas da filmografia de Spike Lee estão presentes aqui, com sua direção dinâmica dando o tom para a obra que, por meio de muita ironia, acidez e provocações faz críticas fortes não apenas ao contexto da época em que Infiltrado na Klan se passa, mas principalmente ao governo de Donald Trump. Dessa forma, se o apresentador vivido por Alec Baldwin na cena inicial já demonstra a vontade do cineasta de ridicularizar as figuras supremacistas da KKK, a falta de talento para a oratória dele remete, é claro, ao atual presidente norte-americano.

Lee não deixa uma brecha sequer para quaisquer dúvidas ou incertezas quanto a seu objetivo — mesmo quem não perceba (ou prefere não perceber…) os comentários mais sutis não podem deixar de serem notados, com as referências diretas de como David Duke revela os planos da Klan para futuramente eleger alguém alinhado ao grupo em um cargo político para “retomar a grandeza da América”, por exemplo. Enquanto isso, em terras nacionais, o filme realça ainda mais a fúria e a frustração de boa parte de nós diante da real possibilidade de que um candidato que incentiva a intolerância, o preconceito, a ignorância e a desonestidade seja eleito.

Enquanto isso, a diferença gritante entre o movimento negro que acompanhamos no filme por meio de Patrice (Laura Harrier) e a “supremacia branca” pregada pela KKK é explorada com intensidade, rendendo um dos momentos mais carregados do longa. Enquanto a cerimônia de iniciação da Klan transcorre em nome do “poder branco”, o “poder negro” é o foco de uma reunião em que Jerome Turner (Harry Belafonte) fala sobre como, em 1915, o filme O Nascimento de uma Nação foi diretamente responsável por uma renascença da KKK. Aqui, a montagem paralela entre as duas cenas torna-se mais veloz, intercalando os dizeres de Turner com as vibrações e torcidas da plateia da Klan diante de uma televisão em que assistem… O Nascimento de uma Nação.

Infiltrado na Klan Crítica

Além de tudo, é uma forma perfeita de ilustrar a visão de mundo absurdamente retrógrada e distorcida do grupo e de todos os seus envolvidos. Se o “poder branco” que eles idolatram diz respeito à violência e à subjugação das demais raças, o “poder negro” quer libertação, voz, respeito.

Liderando um elenco que constrói uma dinâmica impecável, John David Washington esbanja carisma e passeia com talento pelas diferentes facetas de seu personagem — é tocante perceber a maneira com que seus primeiros contatos com o movimento negro e sua experiência como policial o guiam rumo a um maior envolvimento com a luta social que, então, culminam em sua investigação da KKK. Até certo ponto, o mesmo pode ser dito do Flip Zimmerman de Adam Driver, que esconde a sua ascendência judia — odiada intensamente pela Klan, ainda que não tanto quanto a população negra — sob sua condição de homem branco e que, como infiltrado, tem um primeiro contato com a discriminação sofrida por seu povo.

E se Topher Grace, Jasper Pääkkönen e Paul Walter Hauser acertam ao não interpretarem seus integrantes da Klan de forma caricata — afinal, o próprio longa já se encarrega de ridicularizá-los —, Laura Harrier traz complexidade e energia a Patrice, que estabelece-se como uma mulher decidida, forte e batalhadora que vai muito além de apenas ser o interesse romântico do protagonista.

Embalado por uma trilha sonora dramaticamente estilizada que intensifica ainda mais o carrocel de emoções causadas por Infiltrado na Klan, a obra não hesita em apontar dedos não apenas para os políticos e líderes que pregam a intolerância, mas para todo mundo que permite que ela chegue ao poder. Seja arrancando risadas ou deixando a plateia em silêncio absoluto. Um filme obrigatório.

Esse texto faz parte da cobertura da 42° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo


“BlacKkKlansman” (EUA, 2018), escrito por Spike Lee, Charlie Watchtel, David Rabinowitz e Kevin Willmott a partir do livro de Ron Stallworth, dirigido por Spike Lee, com John David Washington, Adam Driver, Laura Harrier, Michael Buscemi, Jasper Pääkkönen, Paul Walter Hauser, Topher Grace, Corey Hawkins, Ashlie Atkinson, Harry Belafonte, Robert John Burke, Brian Tarantina, Arthur J. Nascarella, Ken Garito, Frederick Weller e Alec Baldwin.


Trailer do Filme – Infiltrado no Klan

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