Invictus Filme

Invictus | Um herói que Eastwood não consegue lidar

No primeiríssimo plano de Invictus, novo filme de Clint Eastwood, sua câmera passeia por sobre um verdejante treino de rugbi até dar de cara com um amarronzado campo de futebol. Entre suas cercas somente uma pequena rua, que logo se enche de carros, uma criança negra larga a bola de futebol, grita “Mandela” e pula alegremente, enquanto do outro lado, o treinador de Rugbi junta seus pequenos alunos e repreende um futuro sem esperanças.

O que importa nesse momento lindíssimo é que todos pararam e uniram suas atenções em um mesmo ponto: Nelson Mandela. E é uma pena que Eastwood não consiga manter esse nível no resto do filme.

Escrito por Anthony Peckham (uma das mãos que também escreveu o recente Sherlock Holmes), Invictus teria todas as ferramentes para brilhar como umas das obras primas do diretor, mas derrapa em um tentativa pouco interessante de criar um figura heróica, que por sí só faz o trabalho todo. Nelson Mandela não só é uma das figuras mais importantes de seu país como, com certeza, de toda história mundial, e o filme dá a oportunidade do espectador tentar entender um pouco de como esse fascinante personagem conseguiu unir um país todo diante de um Campeonato Mundial de Rugbi.

O interessante disso é que justamente esse Nelson Mandela que não deixa Invictus decolar. Não pelo personagem, tampouco por sua impressionante caracterização nas mãos do classudo Morgan Freeman (na verdade uma escolhas do próprio Mandela), mas sim por um preciosismo que parece rondá-lo demais durante todo o filme. Por mais que ganhe em uma simpatia ímpar, graças à um roteiro preciso e um Freeman perdido por trás de sua criação, ambos humanizando perfeitamente o personagem, deixando-o estremamente cativante, até quando opta por mostrar seu lado mais pragmático que parece usar tudo como um “calculo político”, é Eastwood que derrapa quando parece desesperado por mover seu filme entre discursos e lições de vida do personagem, tornando-o pontual demais, e até chato, em alguns momentos. Como se o personagem simplesmente não conseguisse conversar como uma pessoa normal.

O Mandela de Eastwood talvez se sentisse melhor andando de um lado para o outro à frente de uma enorme bandeira sul-africana como um “Patton” atualizado.

 E é no momento que o diretor parece resolver jogar todos holofotes na figura de Mandela que não percebe o quanto perde seu próprio personagem, já que todos outros lados do filme o tratam como um lenda viva e Eastwood faz questão de aproximar demais essa “lenda”. Como se privasse o espectador de olhá-lo por esse status. Perdendo chance de talvez fazer um filme mais interessante se visto pelos olhos de seu grupo de seguranças pessoais (com certeza os melhores personagens de todo o filme), já que resumem perfeitamente todo um país com suas ações e ainda parecem perdidos no meio de gigantes: os negros e seu Mandiba (como Mandela é conhecido) e os brancos com seus “Springbooks”, a seleção de rugbi da Africa do Sul.

Eastwood se mostra repetitivo ao tentar criar todo afastamento do time de rugbi dos negros enquanto representação da Africa branca, sem perceber que tal contraste estava claro desde de aquele primeiro plano, assim como logo depois com um pequeno grupo de negros torcendo contra a seleção enquanto ela perde para a Inglaterra, diante de um estádio cheio, (coisa que cria um paradoxo esquisito, já que torciam a favor dos causadores de tudo aquilo). Ou ainda com Mandela citando seus tempos de cadeia quando torcia contra os “springbooks” só para ofender seus carcereiros, ou com o menino não aceitando o uniforme da seleção em um doação de igreja. Tudo muito pertinente, mas junto, extremamente repetitivo.

Mas Invictus se salva com glórias quando decide se tornar um filme sobre a Copa do Mundo de Rugbi. É nesse momento que Eastwood faz aquilo que sabe fazer melhor: cria um filme marcante e sensível, objetivo e repleto de imagens sensacionais.

Além de dar a Matt Damon a oportunidade de sumir por trás do capitão sulafrinaco François Piennar, com uma prótese no nariz e uma presença de cena impressionante, Eastwood dá de presente, não só aos amantes do rugbi, como a todos, um dos melhores filmes sobre esportes que o cinema já viu. Não só pela sua incrível habilidade em encontrar angulos de câmera para filmar as verdadeiras batalhas campais que se dão no esporte, como também por fazer questão de estar extremamente próximo da ação quando precisa. Lógico que sempre apelando para um slow motion aqui e outro ali, mas tudo trabalhando em razão de uma forma que impressiona e é belíssima.

O diretor então perde um pouco o desenvolvimento dos outros jogadores, parecendo dar uma importância apenas para Piennar, sem permitir que o resto do time seja nada mais que alguns rostos e uma ou duas linhas de diálogo. Mesmo Jason, único jogador negro e ídolo (por razões óbvias) do time para essa “nova torcida” e até para o jogador, esse sem nome, que no fim ganha o título (e é interpretado pelo filho do diretor), mas em nenhum momento são muito desenvolvidos. Ainda assim, Eastwood consegue aproximar o time do público como uma verdadeira extensão daquela torcida, sabendo usar perfeitamente toda honra do esporte (coisa que pode se perder por aqui e em outros países que não estão familiarizados com o rugbi) para representar aquela união que a Africa do Sul buscava naquele momento tão difícil.

Invictus perde a mão em seu ritmo, mesmo com uma direção fantástica e duas atuações marcantes, ainda assim consegue contar bem uma história emocionante e marcante. Mas talvez o que tenha atrapalhado Clint Eastwood seja o desconforto diante de seus heróis, já que tem um predileção diante de uma desesperança inevitável de seus filmes, com uma galeria de heróis trágicos, que carregam um mundo nas costas, bem diferentes desse heróis de Invictus, que claramente tiram um mundo das costas de muita gente.


idem (EUA, 2009) dirigido por Clint Eastwood, com Morgan Freeman e Matt Damon


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