Sou fã de musicais, mas considero um gênero difícil: a linha entre o “brilhante” e o “brega” é tênue, e mesmo um elenco experiente, munido de músicas de qualidade, precisa de um bom diretor para que o produto final fique mais próximo do primeiro conceito do que do segundo. Jersey Boys: Em Busca da Música mostra perfeitamente essa dicotomia, com sua ambientação – que começa nos anos 1950 e vai até os 1970 -, que poderia facilmente parecer cafona, mas não parece; com seu elenco – em boa parte, vindo da Broadway -, que poderia atuar de maneira exagerada, mas não o faz; e sua história – uma trama de redenção – que poderia ser previsível, mas não é. Ao contrário, o musical se destaca justamente pela abordagem diferenciada que adota ao contar a história do menino que batalhou a vida toda para alcançar sucesso como cantor, e completa seu brilho com o quarteto principal (John Lloyd Young, Vincent Piazza, Erich Bergen e Michael Lomenda), que segura duas horas de filme num crescente espetacular.
O filme, uma adaptação do musical de palco homônimo da Broadway, produzido em 2005, narra a vida de Francesco Castelluccio, mais conhecido como Frankie Valli, vocalista do grupo The Four Seasons, famoso na década de 1960. A história apresenta o início do grupo, em New Jersey, patrocinado pela máfia local, e as múltiplas mudanças de formação e de nome, até o sucesso, alçado por músicas como “Walk like A Man” e “Sherry”. O grande diferencial de Jersey Boys é o modo utilizado para contar a história. Com o foco em Frankie, o filme é pontuado por momentos em que os outros três membros do The Four Seasons quebram a quarta parede, explicando determinadas situações, resgatando fatos anteriores – como modo de introduzir flashbacks –, e anunciando o que está por vir. Apesar de ser o protagonista, Frankie não exerce essa função de narrador, limitando-se a olhar diretamente à câmera em poucos momentos decisivos, mais para o final da projeção.
A narrativa conduzida pelos colegas de grupo ajuda a constituir os personagens e a entender suas relações com Frankie, o que é fundamental, também para a construção do protagonista, muito bem interpretado por John Lloyd Young. O ator, que ganhou o Tony em 2005 pela interpretação de Valli no teatro, faz um igualmente ótimo trabalho no cinema: sua atuação é natural e forte, e a transição de Frankie Valli de menino a homem é feita com maestria – sem mencionar a voz de Young, que é completamente inacreditável. Vicent Piazza, intérprete de Tommy DeVito, também se destaca: o ator coloca a arrogância e a indiferença do personagem na entonação da voz, o que deixa tudo muito verossímil. Christopher Walken, que interpreta o gângster Gyp DeCarlo, e Mike Doyle, na pele de Bob Crewe, são dois dos maiores alívios cômicos na história, com atuações leves na maior parte do filme (em diversos momentos, eles parecem estar se divertindo imensamente em seus personagens).
Os números musicais são pontuais e passam longe do exagero, pecado de outros filmes do gênero, como Across the Universe. A atenção destes momentos em Jersey Boys é voltada aos maiores hits da The Four Seasons, e é fácil notar que as músicas estão ali para construir o clima da história, ao invés de serem o destaque de uma trama fraca. Com um elenco vindo em grande parte da Broadway – três dos quatro atores da banda estão reprisando no filme os papéis que já interpretara no teatro -, a música é de qualidade técnica impressionante. As coreografias do grupo atrás dos microfones, com aquele tempero sessentista e nostálgico, um pouco brega, mas de um jeito divertidíssimo, são uma atração à parte.
Com a direção impecável de Clint Eastwood, que conduz seus atores em trabalhos naturais e mostra belos planos e montagens, tanto em cenas musicais, quanto em momentos mais tensos, Jersey Boys já pode entrar na lista de possíveis indicados ao Oscar do próximo ano. O musical cumpre o objetivo de contar a história de Frankie Valli, numa história que cobre 40 anos de trajetória – a cena final se passa em 1990 –, e o resultado tem seus momentos bregas – nunca de maneira ruim –, mas é, sobretudo, brilhante.
“Jersey Boys” (EUA, 2014), escrito por Marshall Brickman e Rick Elice, dirigido por Clint Eastwood, com John Lloyd Young, Vincent Piazza, Erich Bergen, Michael Lomenda, Christopher Walken e Mike Doyle.