[dropcap]E[/dropcap]m meio a franquias, adaptações e continuações, ainda sobra espaço para o cinema criar algo novo. John Wick é a prova disso e John Wick 3: Parabellum demonstra ainda que a ideia de melhorar a cada capítulo também é perfeitamente possível.
Parabellum é maior, mais intenso, mais violento e mais impressionante que os dois outros filmes da série, simplesmente, por entender que é preciso ter uma história para contar se a ideia é continuar contando uma história, não simplesmente copiar o que estava funcionando.
Assim como o segundo filme, o terceiro também começa exatamente do ponto onde o anterior termina, do mesmo jeito que joga o espectador em uma grande cena de ação impressionante. A diferença aqui é que, quem estiver no cinema, muito provavelmente, nem irá respirar direito nesses trinta e poucos primeiro minutos.
Wick (Keanu Reeves) está, em bom latim, “excommunicato” (excomungado, banido) e, consequentemente, todos assassinos de Nova York (e do mundo), sentem o cheiro da oportunidade de levar US$ 14 milhões. E como você deve imaginar, sobra para Wick tentar contornar essa situação enquanto faz de tudo para sobreviver, literalmente falando.
Antes de parar e pegar fôlego, John Wick ainda leva seu espectador para uma viagem frenética por NY onde ele parece ser atacado por toda e qualquer pessoa que cruza seu caminho. Em menor número, e quase sem armas, Wick usa de facas e revólveres, até cavalos, como instrumentos letais nessa sua sobrevivência. E aí está parte da novidade de Parabellum.
Dirigido pelo mesmo Chad Stahelski dos outros dois filmes, Parabellum é novo não só por usar um cavalo como arma mortal, mas sim por conseguir imprimir um ritmo incrível em todas cenas de luta e tiroteio, mas sempre colocando um detalhe que as tornam únicas. Isso, é claro, enquanto não inventa, mas sim reinventa. Stahelski é um dublê experiente (esteve com Reeves em Matrix, por exemplo), portanto, entende as possibilidades que têm em mãos.
A luta com facas, por exemplo, é tão única, visceral, violenta e empolgante, que é difícil pensar em alguma outra sequência semelhante na história do cinema que tenha usado tão bem a mistura entre uma multidão de capangas, facas em um mostruário, um lugar apertado e o uso de ambiente como opção estética.
Ao mesmo tempo, Parabellum ainda tem a firmeza de referenciar, poucos segundo antes, o clássico do western Três Homens em Conflito, enquanto Wick monta calmamente sua arma para enfrentar essa horda de inimigos. No original, Tuco não enfrentou um batalhão de gente, mas Stahelski sabe o quanto é importante citar uma obra importante para colocar seu trabalho dentro do respeito de quem irá lembrar.
Pouco antes disso, Wick ainda “abre seus trabalhos” enfrentando um gigante vivido por um jogador de basquete dentro de uma biblioteca. Boban Markanovic não é Karen Abdul-Jabar e nem Reeves é Bruce Lee, mas a homenagem a Jogo da Morte está feita (assim como, mais tarde em uma “sequência dos espelhos” como em Operação Dragão). Resumindo, Parabellum sabe exatamente o que está fazendo e os fãs irão adorar, isso se conseguirem respirar.
Esses mesmos fãs ainda irão ficar mais empolgados com a possibilidade de mergulhar mais fundo na mitologia dessa organização de assassinos. Cada reviravolta e detalhe que surge, constrói ainda mais esse mundo que permeia o mundano, que nunca parece perceber o quanto está perto desse jogo de poder e violência.
É lógico que isso parece exagerado, e Parabellum é o ápice dessa vontade de soar extravagante, desmedido e extraordinário. Nada parece poder ser contado ou soa como simples, tudo é superlativo, gigantesco e exuberante. Armas, personagens estereotipados, cenas de ação enormes e sem cortes, cenários, mitologias, tudo cabe em Parabellum e ainda vaza para uma área cinzenta que o fã urge em querer conhecer.
Até seus diálogos expositivos, obrigatórios nesse tipo de filme, são diretos e firmes o suficiente para nunca atrapalharem o andamento da ação. Você entende o que está acontecendo, expande o passado de alguns personagens (principalmente de Wick!) e logo já está de volta à ação.
Tudo isso em uma trama simples e que nunca tenta ser mais complicado do que poderia ser. Não existe pretensão de complicar um filme simples que é só uma desculpa para colocar na tela do cinema alguma das mais bem coreografadas e bem pensadas cenas de luta e tiroteios que o cinema viu nos últimos anos. Talvez até “da história”, sem medo de se tornar exagerado, já que a evolução técnica ajuda Parabellum a fazer coisas que nunca poderiam ser feitas, por exemplo, uma década atrás, como um tiroteio à queima roupa e submerso dentro de uma banheira.
Parabellum, assim como toda série John Wick será sim lembrada ainda por vários anos dentro do gênero, e, muito provavelmente, já deve começar a deixar seus frutos florescerem, mas assim como ela própria, bebe no cinema de ação chinês (e de Hong Kong), mas nunca se deixa ser uma cópia. Fica aqui nossa torcida para que o cinema faça o mesmo e tente ser único e diferente assim como a série o faz.
Do mesmo jeito que, se tiver mesmo a intenção de um quarto filme, que John Wick continue levando os espectadores ao limite de suas poltronas e nunca se perca dentro de suas próprias pretensões. Assim como esteja sempre pronto, “por que se você quer paz, esteja preparado para a guerra”.
“John Wick: Chapter 3 – Parabellum” (EUA/2019), escrito por Derek Kolstad, Shay Hatten, Chris Collins e Marc Abrams, dirigido por Chad Stahelski, com Keanu Reeves, Halle Berry, Ian McShane, Laurence Fishburne, Asia Kate Dillon, Lance Reddick e Anjelica Huston