Jorginho Guinle – $o se Vive Uma Vez | A grande questão que paira no ar é: e daí?


[dropcap]B[/dropcap]iografias costumam ser sobre pessoas que fizeram algo em suas vidas; algo que nós, meros mortais, consideramos fora do comum. Jorginho Guinle – $o se Vive Uma Vez conta a história de um playboy que viveu 88 anos sem nunca trabalhar. Bom, isso é fora do comum. A grande questão que paira no ar é: e daí?

Bom, há algo pelo menos interessante em sua… trajetória. A vida de Jorge Quinle, assim como de sua rica família, se confunde com a história do próprio Rio de Janeiro e dos famosos e poderosos que viviam e passavam por lá. Diferente de São Paulo, o Rio sempre teve essa imagem ambígua entre trabalho e prazer que caracteriza melhor o brasileiro médio, se é que podemos chamar assim. Ao mesmo tempo a cidade foi capital do país por tempo suficiente para deixar as marcas da aristocracia política em seus monumentos e na pomposidade da elite em uma época que era chique viajar para Paris, não Nova Iorque.

Vamos, então, acompanhando as “aventuras” de Jorge nessa capital do terceiro mundo e suas inúmeras companhias femininas: atrizes de Hollywood. Durante a “Era Getúlio” o Rio foi projeto de publicidade exterior sobre o país, e isso eventualmente rendeu eventos chiques por essa parte do planeta. Eu me pergunto o que faria celebridades americanas viajarem tão longe para beber champanhe e se divertir, mas talvez a resposta esteja em sua puritana terra de origem. Afinal, se para nós, ainda existe o carnaval, para eles, o Brasil é o carnaval.

O filme começa com a morte de Jorginho, falecido em 2004 e que desejou como último pedido morrer hospedado em um quarto do Copacabana Palace, o lugar onde ele mais se divertiu na vida. Para um boêmio da alta classe, seu verdadeiro lar.

Nós vemos o nosso herói vagabundo em uma versão dramatizada, na pele do ator Saulo Segreto, que vai narrando e nos acompanhando por sua história em um documentário com pouquíssimos momentos convencionais em que uma pessoa é entrevistada. Vemos cenas de arquivos misturadas com encenações, com uma música ao fundo que cria a atmosfera necessária para entendermos o que era viver na mais completa ignorância do significado do dinheiro.

Esse filme pode chocar algumas pessoas, principalmente as mais à esquerda, que vão achar tudo aquilo algo entre futilidade e escândalo. Bom, nem todas. As mais politizadas vão entender que depois da democratização o Brasil Colônia nunca realmente deixou de existir. Havia famílias donas dos negócios da região que continuaram comandando para que lado o dinheiro fluiria, e os políticos eram apenas o meio para o fim burguês de sempre: poder e riqueza.

E com tanta riqueza com as exportações de café, isso estragou a educação de suas crianças. Mimadas desde a infância por babás alemãs, esses projetos de gente dominante nunca decidiram que não iriam fazer nada da vida, pois nem decidir era necessário. Jorginho era um deles. Como julgá-lo? Coloque-se em seu lugar.

Nascido em berço de ouro, convidado nas melhores e maiores festas de gala da cidade, desconhecedor do valor do dinheiro ou de onde ele veio. Estamos na época em que surgem os primeiros playboys em terras tupiniquins. Não há necessidade de administrar a fortuna herdada e o patriarca, desobedecendo um princípio simples mas eficaz de O Poderoso Chefão, se esquece de manter os negócios entre a família. O desfecho é mais que conhecido: era uma vez um herdeiro cuja função parecia ser consumir toda a riqueza da família no decorrer de sua vida. E isso, sim, é um filme interessante de se ver.

Acompanhamos Jorginho nessa jornada com mulheres deslumbrantes, manjares dos deuses e bebidas das mais finas. Um jogo de influências surge e Jorginho apenas mergulha e se mantém íntegro. Aliás, esse é o detalhe que mais me fascinou a respeito desse playboy dos velhos tempos: não se matou com drogas, nem bebidas, nem carros. Havia ainda alguma disciplina nessa geração que foi se perdendo com o tempo. Não se fazem mais filhinhos de papai como antigamente, como podemos ver pelo filho de Eike Batista.

Parecendo ter sido encomendado como um filme de despedida, Jorginho Quinle é um filme alegre, vistoso, que dá a nós, espectadores assalariados, a leve sensação de uma vida que sequer podemos sonhar, pois nos falta imaginação. É uma biografia sobre alguém que não fez nada, mas com muito prazer e elegância. Fútil? Bom, no final da vida dá na mesma. Pelo menos é o que acharia outro ateu com crise existencial.


“Jorginho Guinle – $o se Vive Uma Vez” (Bra, 2019), escrito por Otávio Escobar, Duda Ribeiro e Dostoiewski Champagnatte, dirigido por Otávio Escobar, com Saulo Segreto, Guilhermina Guinle, Letícia Spiller, Daniel Boaventura, Davi Goular e Jorge Guinle.

Trailer do Filme – Jorginho Guinle So Se Vive Uma Vez

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