Enquanto o romano Horácio usou a expressão “in medias res” pela primeira vez em 13 a.C. para identificar um detalhe da obra As Guerras de Tróia, ainda hoje o recurso é usado. Em latim fica parecendo algo fino e chique, mas quer dizer, literalmente, “no meio das coisas”. Justiça em Família segue essa tradição milenar e começa bem no meio da ação, entretanto, o que poderia ser uma desculpa ou uma falta de criatividade por onde começar, tem lá sua função. E ela salva o filme.
O filme dirigido por Brian Andrew Mendoza recorre à ideia de começar pelo meio, algo já tão usado pelo cinema que se tornou um clichê. Quase sempre uma opção para colocar o espectador logo de cara na ação, o que (muitas vezes) não seria tão possível se o filme começasse de forma linear, já que nesses casos (incluindo Justiça em Família) teria que explicar a trama, mostrar os personagens e assim por diante.
A trama realmente precisa frear depois disso enquanto o roteiro de Gregg Hurwitz (O Livro de Henry) e Philip Eisner (O Enigman do Horizonte) vão vagamente para alguns anos antes para mostrar a felicidade da família Cooper. Os três vão bem até que a mãe, Amanda (Adria Arjona), descobre ter um câncer cuja última esperança de tratamento é uma nova droga mais barata e acessível. Infelizmente uma megacorporação da indústria farmacêutica boicota o remédio, tira ele de circulação e, consequentemente, provoca a morte de Amanda.
Uma ou duas (ou sei lá quantas!), passagens de tempo depois, o pai e a filha, Ray (Jason Momoa) e Rachel (Isabela Merced), pairam entre a raiva, o luto e uma investigação para desmascarar as ações da empresa e se vingar de seu CEO vivido por Justin Bartha. Até que um jornalista surge com uma dica que pode levar os dois a encontrar o caminho para essa busca por… justiça em família.
Com um roteiro que faz tanta questão de expor toda essa trama de modo linear e bem explicadinho antes de colocar Jason Momoa para descer o cacete em gente enquanto foge do FBI, de um grupo de mercenários contratados pelos vilões e ainda um assassino frio e misterioso (Manuel Garcia-Rulfo), apelar para o “in media res” é mesmo uma boa opção para não deixar ninguém dormir antes da ação começar. Mas o que parece ser só um desespero, se mostra, literalmente, aquilo que salva o filme do total esquecimento.
Por mais que a câmera de Brian Andrew Mendoza se comporte extremamente bem nas cenas de ação, todo o resto é meio rocambolesco e pouco inspirado, já que a trama é rasa como um pires e recorre a algumas motivações tão frágeis e sem sentido que beiram o absurdo. As cenas de luta, próximas, claras, dolorosas e empolgantes, realmente funcionam, mas não salvariam o filme do desastre. E quanto mais perto a história chega do ponto onde ela começa, mais fica aquela impressão de que você já viu tudo aquilo em um punhado esquecível de filmes. Mas Justiça em Família nasceu para ser outra coisa.
A dupla de roteiristas, muito provavelmente, viu sua história nascer desse ponto de reviravolta que transforma o filme, e ele realmente funciona. O que estava antes desse ponto, mesmo soando genérico e igual a um monte de coisa se transforma em algo muito mais complexo, emocionante e sensível. Realmente o trabalho de cuidar bem desse momento dá um trabalho enorme para o roteiro e para o diretor, que, com certeza, são eficientes na hora de fazer com que o espectador esteja sempre olhando para o lado errado, como em um grande truque de mágica.
O cuidado com que Brian Andrew Mendoza ainda constrói esse momento é poderoso. Por um segundo parece apenas que o diretor perdeu o timming em uma cena estendida mais do que o necessário, mas o resultado pega qualquer um de surpresa.
Sem pestanejar e sem nunca perder o filme, o que vem depois disso é rápido, eficiente, mergulha no coração da trama, prende o espectador e faz com que o resultado do final, aquela impressão que o espectador carrega logo quando o filme chega ao fim, seja a mais positiva possível. O resultado é um filme que vai ganhar uma propaganda no boca a boca que faça com que ele permaneça por um bom tempo nas sugestões na Netflix. E isso é uma ótima notícia para um filme que tinha chances de ser esquecido, mas que, em razão de uma única boa ideia e uma execução eficiente, será lembrado por mais tempo que seus semelhantes serão.
“Sweet Girl” (EUA, 2021); escrito por Gregg Hurwitz e Philip Eisner; dirigido por Brian Andre Mendoza; com Jason Momoa, Isabela Merced, Manuel Garcia-Rulfo, Amy Brennema, Adria Arjona, Raza Jaffrey e Justin Bartha