Lidando Com a Morte | Crítica do Filme | CinemAqui

Lidando com a Morte | Um cemitério de boas intenções


É difícil entender se o diretor holandês Paul Rigter chegou onde queria em seu documentário Lidando com a Morte. Talvez alguns pedaços de suas intenções tenham ficado pelo caminho. Talvez até o contrário e tudo tenha sido manipulado para aquele lugar. Talvez um pouco dos dois. Talvez nada de ambos.

O que fica pelo caminho é a impressão de que talvez as intenções iniciais, tanto do diretor, quanto da empresa na qual ele gruda sua câmera, tenham intenções claras e altruístas. É lógico que o lucro e o capitalismo selvagem não deixariam que uma empresa tenha “intenções altruístas” tão puras assim, mas assim mesmo elas estão lá quando o filme começa. E você nem duvida muito delas logo de cara.

A intenção é de criar uma espécie empreendimento de velórios multiculturais que conseguiria assegurar a segurança e o conforto das muitas etnias e culturas que colorem o Zuidoost, uma espécie de subúrbio de Amsterdan, na Holanda. Portanto, um monte de gente branca tentando construir um “shopping de velórios” para que os “não holandeses” deem um pouco de dinheiro para os “holandeses” até no momento da morte de um deles.

Tudo bem, não tem como acreditar na ideia de “intenções altruístas”. Mas enquanto o documentário vai acompanhando a diretora dessa empresa de funerais comandando essa expansão multiétnica é fácil acreditar em uma boa vontade. Anita (a diretora) vai conhecer lideranças dessas culturas, expor seu empreendimento e aprender com eles. Mas aparentemente nem Ritger está gostando disso, então vai destruindo essa imagem aos poucos.

Anita não cumprimenta seus amigos “por estar meio gripada”, mas não hesita de abraçar os ganeses. Dá risada de questões práticas dessa comunidade, como um banheiro maior para as mulheres se trocarem. Tem um ataque de risos enquanto é ensinada a preparara um falecido budista. E se você não entender essas sutilezas, o diretor coloca-a em seu escritório com um papel de parede de moedas de ouro transbordando de um cofre.

Talvez Rigter pegue pesado com a personagem, ainda mais por estar próximo demais dela, até de um momento onde ela própria precisa lidar com a morte do pai. E nessa hora ele chega ao exagero de comparar o seu luto e suas homenagens com as de um enterro ganês. A discrepância é ensurdecedora e o diretor está disposto a esfregar na cara de seus espectadores a falta de personalidade e emoção dessas pessoas que estão dispostas a vender esse momento para seus clientes.

Quanto mais Rigter chega perto de seus personagens, dessa empresa, mais eles os odeia e mais se esforça para humilhá-los e mostrar o quanto são uma representação vazia de uma “intenção altruísta”.

O resultado talvez seja um filme com a algo a dizer e a mostrar, com um diretor que sabe onde se colocar para encontrar o melhor ângulo, como enquanto acompanha o velório completo de uma ganesa já perto do fim, com o caixão quase caindo para fora do prédio para poder descer as escadas. Mas o faz para colocar lado a lado com o ridículo do extremo desse “shopping de velórios”. Rigter manipula o filme para entregar seu ponto de vista do jeito mais poderoso possível, nem que para isso ele precise humilhar e rebaixar seus personagens à suas hipocrisias e intenções não altruístas.

Fica ainda pelo caminho um pouco mais dos costumes multiculturais e personagens “não holandeses” expondo seus mundos e pensamentos. As vozes deles vêm sempre através do funil cultural branco dessa empresa e seus funcionários. O filme ganharia mais camadas se enxergasse um pouco mais aquela situação através da ótica dessas pessoas, mas isso o diretor não parece interessado.

Seu único interesse é relevante, pertinente e poderoso, mostrar o quanto o objetivo capitalista e degenerado dessa empresa não está preocupado com a multiculturalidade de seus próximos. No final das contas, diante das adaptações, as “multiculturalidades” são as primeiras concessões. O empreendimento não é para eles, mas finge ser. O outro lado também finge o interesse, já que no final das contas continuarão fazendo de seus jeitos e deixarão o novo lugar vazio.

Já Anita descobre um desinteresse pelo empreendimento no mesmo momento em que perde espaço. Sai do filme pensando realmente ter tido as melhores e mais respeitosas atitudes, mas Rigter não larga dela, vai no banco de trás de seu carro tirando mais uma casquinha de sua personagem. Encontrando um jeito final de humilhá-la. Não que ela não mereça nada disso, mas talvez o diretor esqueça um pouco de humaniza-la ao invés de só tentar derruba-la de seu pedestal.


“Dood in de Bijlmer” (Hol, 2020); escrito e dirigido por Paul Rigter


O filme faz parte da cobertura da 45° Mostra de Cinema de São Paulo

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