Loucas de Alegria, apesar do título e das protagonistas com problemas psicológicos, é um retrato realista e encantador sobre amizade incondicional, mesmo que sua amiga tenha impulsos suicidas ou tenha cara de pau de aplicar golpes por onde quer que passe. Em seu momento mais lúdico ele homenageia Thelma & Louise, o clássico de Ridley Scott, o que, naquela altura da campeonato, é uma das licenças poéticas mais bem-vindas e muito apropriada.
A história começa quando Beatrice Morandini Valdirana (Valeria Bruni Tedeschi) conhece Donatella Morelli (Micaela Ramazzotti). Ambas estão internadas em um manicômio rupestre, não só pagando pena pelo que fizeram em liberdade, mas se tratando de seus distúrbios. Beatrice é bipolar, Donatella é depressiva. E ambas “se divertem” tomando os diferentes tipos de remédios que lhe são prescritos, em uma divertida reverência à nossa geração Prozac.
Vamos conhecendo aos poucos a história das duas, pois nada é revelado gratuitamente em diálogos expositivos, mas a partir das experiências que passam juntas. Mas mais importante que detalhes narrativos, o importante no filme é entender as personalidades desses dois seres humanos, e como eles se parecem com um amigo ou conhecido, às vezes em detalhes sutis como o jeito de falar rápido e trocar de assunto, outras vezes pelo carisma magnético que elas possuem. Note como uma união improvável começa a fazer sentido naturalmente, e como a “loucura” das duas é apenas um distúrbio comum, extrapolada pelos seus problemas e traumas pessoais.
Beatrice é uma inquieta, a todo momento. Suas falas rápidas e sua ingenuidade em continuar vivendo como se fosse uma senhora importante da sociedade é tão contagiante que ela acaba levando o filme nas costas. Boa parte dessa eficácia obviamente deve ser creditada à performance naturalmente arrebatadora de Valeria Bruni, que faz lembrar Amanda Plummer no excelente-mas-pouco-conhecido O Beijo da Borboleta. Outra parte da eficácia de sua personagem deve ser atribuída à direção de Paolo Virzì, que faz cortes rápidos para sua personagem, além de aplicar uma câmera na mão que torna tudo mais imediatista (além de realista).
Essa abordagem, diga-se de passagem, destoa completamente do que vemos a partir de sua amiga depressiva, Donatella, que além de baixa é encarada em muitos momentos pela câmera em cortes mais lentos e estáticos que a enfocam por cima ou nas sombras, o que a ajuda a tornar-se ainda mais diminuta e insignificante. E boa parte dessa sensação também pode ser atribuída à atriz Micaela Ramazzotti, que encurva as costas, como se carregasse o peso eterno do que tinha feito. O seu modo de aos poucos se abrir pelo mundo onde é convidada por sua nova amiga é tocante, e as farpas que recebe de seus pais doem, mas servem para a atriz brilhar ainda mais em uma pequena pérola de performance, onde a sutileza consegue torná-la ainda mais complexa que a expansiva Beatrice. Donatella, aos poucos vemos, é uma mulher atormentada não pelo que fez, mas principalmente pelas consequências dos seus atos.
Ainda assim, como toda essa complexidade, é difícil ter empatia por uma pessoa acusada de um ato tão horrível, porém, é a capacidade da Micaela Ramazzotti de construir uma personagem complexa – que praticamente não consegue sorrir – se alia às revelações de sua vida, que vão construindo seu drama pouco a pouco – como a real, decepcionante, mas reveladora relação com o pai.
E se estou contendo até agora todos os possíveis spoilers da história, mesmo os mais periféricos, é porque este é um filme que o espectador merece degustar cada momento, e escalar cada degrau desta história. Sinto muitos pelos que já viram o trailer, já que os desdobramentos do roteiro de Paolo Virzì e Francesca Archibugi são tão empolgantes, e tão bem aproveitados pelas duas atrizes, em total sintonia com o projeto, que vale a pena uma primeira assistida inocente.
Mesmo que este não seja um filme “de uma vez só”, pois é fácil de se apaixonar por essas duas garotas e querer revê-las. Ao escancarar suas duas trágicas vidas, o desejo honesto de qualquer ser humanos é abraçá-las e as consolar, apesar de tudo. Apenas não daria para dizer que tudo vai ficar bem, pois quando você vive intensamente como essas duas, os resultados são imprevisíveis. E isso é estranhamente ótimo.
“La pazza gioia” (Italy/France, 2016), escrito por Paolo Virzì e Francesca Archibugi, dirigido por Paolo Virzì, com Micaela Ramazzotti, Valeria Bruni Tedeschi, Valentina Carnelutti, Marco Messeri, Bob Messini