Love Lies Bleeding | Um filme sobre finais violentos e felizes

Antes da câmera de Rose Glass, na cena de abertura de Love Lies Bleeding – O Amor Sangra, chegar na academia onde Lou (Kristen Stewart) tenta desentupir uma privada absolutamente nojenta, ela (a câmera) “nasce” em um contra-plongee que olha o céu de dentro de um desfiladeiro e se perde na imensidão de uma noite com estrelas que apenas observam tudo aquilo que está prestes a acontecer. Que enxergam essa história de amor com uma curiosidade que atinge em cheio os mesmos espectadores que compartilharem desse voo.

Do outro lado dessa noite, Jackie (Katy O´Brian) parece ser uma alma ainda mais perdida do que Lou. Colocando seu corpo como moeda de troca para conseguir ficar mais perto de seu sonho: vencer uma competição de fisiculturismo em Las Vegas. Antes de cruzar o caminho de Lou, trombará com Lou Sr. (Ed Harris), pai de Lou, dono de um estande de tiros que mais parece um clube de lazer para caipiras americanos com mullets e camisas xadrez, mas que esconde um esquema de tráfico de armas.

Falta nesse tabuleiro de amor, crime e violência a irmã de Lou, Beth (Jena Malone), casada com um daqueles personagens asquerosos que o espectador odiará desde o começo, JJ (James Franco). A relação dos dois é baseada nas marcas de violência que vão crescendo na face de Beth a cada cena que ela surge.

Mas tudo está posto para fazer com que Lou e Jackie se tornem uma pessoa só. Um amor que ultrapassa os perigos desse mundo que sua sem camisa enquanto treina na academia, junto com um colorido meio decadente e movido a anabolizantes, segredos perigosos e raiva. Glass também escreve o roteiro junto de Weronika Tofilska e está claramente interessada em acompanhar essas duas personagens tão próximas, mas, ao mesmo tempo, tão quebradas que funcionam quase como uma simbiose. Para o que der e vier.

Visualmente falando, Lou e Jackie são o completo oposto. Lou é centrada, mirrada e parece estar alguns passos na frente de qualquer um. Jackie é quase uma força da natureza movida à base de halteres e inseguranças, carência e força, anabolizantes e uma violência que talvez seja ou não o resultado das drogas correndo por suas veias e fazendo seus músculos ficarem ainda maiores.

O trabalho das duas atrizes é um espetáculo. Ambas entendem perfeitamente bem o tom de suas personagens e nunca permitem que elas ajam diferentemente daquilo que suas motivações são construídas lá no começo desse amor. Até os erros e péssimas decisões são compreensíveis e é impossível não se apaixonar e torcer por essas duas mulheres que, independente da quantidade de peso que levantam, são muito mais fortes do que qualquer um que cruzar seus caminhos.

É esse o objetivo do filme de Rose Glass, tentar entender essas duas mulheres de perto. Não julgar aquilo que elas farão, mas sim entendê-las. E mais ainda, observar esse amor como Oliver Stone olhou para Mickey e Mallory ou Tony Scott acompanhou Clarence e Alabama. Esse tipo de amor que precisa sobreviver a um mundo que pensa ser maior e mais violento do que o amor desses personagens. Nunca é.

Assim como Assassinos por Natureza e Amor à Queima-roupa, Love Lies Bleeding é sobre essas pequenas catarses violentas que empurram as personagens para encruzilhadas onde não é possível ultrapassá-las sem algum tipo de sacrifício, seja físico ou mental. O filme de Glass é montado sobre esses momentos em que a história coloca em prova o amor das duas e vai empurrando elas mais para frente. E quanto mais elas chegam perto daquele penhasco lá do começo, ou do monstruoso Lou Sr., mas a sanidade delas é colocada à prova.

Harris não deixa que o visual caricato do personagem seja o limitador de sua maldade. É como se sua extravagância escondesse uma voz calma e movimentos que beiram a lentidão, mas que se perdem em loucura diante da incapacidade de olhar para as situações como se ainda estivesse no controle daquilo. Não está. O controle é do amor das duas.

Essa loucura parece sempre estar presente em Love Lies Bleeding, quase como um realismo fantástico. Da câmera voando no início até uma aura de delírio que parece caminhar com Jackie. Quase como um terror que paira sobre ela e que a move através de véu de realidade que a coloca sempre diante de algum tipo de gatilho que a dispare como uma flecha. Não como uma bala, impessoal e cega, mas com seus punhos apertados e sujos de sangue.

A direção de Glass, assim como em seu filme anterior, o incrível Saint Maud, é quase confessional e não deixa nunca que o espectador decida de cara o que é real e o que é fantasia. Principalmente, pois o único objetivo de qualquer espectador de Love Lies Bleeding é estar perto daquelas duas personagens. Tão perto quanto o foco da câmera é capaz. Um perto suado, dolorido e tão pessoal que angustia, afinal é como se tudo parecesse que não tem chances de chegar em um final que não seja ainda mais cheio de mágoas e arrependimento. Mas o espectador está errado.

Love Lies Bleeding está o tempo inteiro surpreendendo quem achar que sabe o que acontecerá. Melhor ainda, constrói um mundo tão destruidor que faz ser impossível achar que o único caminho aceitável é aquele que mistura delírio, realidade, amor, mentiras, sangue e, é claro, a esperança de um final feliz que parece longe e impossível. Mas não está.

E assim como Mickey, Mallory, Clarence e Alabama, Lou e Jackie também merecem ser felizes no final.


“Love Lies Bleeding” (UK/EUA, 2024); escrito por Rose Glass e Weronika Tofilska; dirigido por Rose Glass; com Kristen Stewart, Katy O´Brian, Ed Harris, Jena Malone, Dave Franco e Anna Baryshnikov


Trailer do Filme – Love Lies Bleeding

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