Em seus três livros, Gillian Flynn se afirmou como uma contadora de histórias repletas de maldade e crueza com um toque de comentários sociais, com mulheres complexas no centro da narrativa, mais semelhantes a anti-heroínas do que as protagonistas que costumamos encontrar. Em Lugares Escuros não é diferente – assim, mesmo que esta adaptação não alcance o nível do marcante Garota Exemplar, é uma produção interessante.
Quando pequena, Libby Day viu suas três irmãs e sua mãe serem brutalmente assassinadas. A garotinha conseguiu fugir e, no hospital, respondeu afirmativamente quando um policial pergunta a ela se ela viu seu irmão mais velho, Ben (Tye Sheridan), cometendo os crimes. Visto como um solitário praticante do satanismo pela população da pequena cidade do Kansas, Ben não demorou a ser considerado culpado e agora, vinte anos depois, continua preso. Libby (agora vivida por Charlize Theron) vive às margens da sociedade, isolada de todos e temendo qualquer contato humano, sobrevivendo com o pouco que resta das doações que recebeu à época da tragédia e que foram se tornando cada vez mais escassas conforme a atenção do público se voltava para outras vítimas de acontecimentos trágicos.
Sem estudo ou experiências, Libby aceita então a oferta do jovem Lyle (Nicholas Hoult) para conversar com os membros de seu “Clube da Matança”, uma organização de aficionados por crimes e mistérios cujos membros reencenam esses mesmos crimes famosos e agem como detetives amadores investigando casos abertos. Libby, então, começa a encarar suas próprias incertezas quanto à culpabilidade de seu irmão – ela teria realmente visto o garoto cometendo os crimes? Se não, quem foi? Se sim, ela poderia perdoar o único parente que lhe resta?
Lugares Escuros parte dessas dúvidas, mas é uma narração sarcástica da protagonista e a maneira como Theron se encolhe e se afasta quando alguém se aproxima ou a toca que constroem essa Libby como uma mulher solitária, desconfiada e inteligente, ciente da situação em que se encontra. Assim, suas motivações são claras e envolvem uma mistura de querer saber a verdade sobre a tragédia que mudou sua vida, ou manter-se afastada daquilo tudo e continuar vivendo como se nenhuma nova informação tivesse surgido. Theron captura as nuances da personagem que, mesmo com seu jeito seco e introspectivo, é alguém por quem o público torce.
O elenco, aliás, é o maior trunfo de Lugares Escuros, e os talentosos atores conseguem imprimir complexidade e personalidade mesmo aos personagens com menos tempo em cena. Nicholas Hoult mistura simpatia e bizarrice para viver Lyle; Tye Sheridan faz de Ben um jovem deslocado e ambicioso mas sem saber muito bem o que fazer com isso; a femme fatale adolescente de Chloë Grace Moretz é uma garota mimada, entediada e com vontade de se rebelar contra a vida confortável que o dinheiro dos pais lhe proporciona. Mas, entre o elenco coadjuvante, é mesmo Christina Hendricks que se destaca: sua Patty é uma mulher forte, apaixonada pelos filhos e capaz de tudo por eles, enquanto carrega o peso do mundo nas costas: a falta de dinheiro que está prestes a lhe custar a fazenda que herdou de seus pais, a folga do marido que insiste em lhe pedir dinheiro, a rebeldia de seu filho mais velho.
Tecnicamente, porém, o filme não acompanha o nível de seu elenco, e a aparência geral é a de uma produção barata exibida no final da noite na televisão. Enquanto algumas decisões do diretor e roteirista Gilles Paquet-Brenner são interessantes, como filmar a visão de Libby daquela noite como uma câmera noturna, ele pouco faz para criar uma atmosfera tensa ou urgente. A montagem, por outro lado, é eficiente ao intercalar os dois períodos que acompanhamos.
O roteiro também é outro ponto fraco: enquanto as motivações dos personagens são claras e estabelecidas sem a necessidade de diálogos expositivos (e, sim, resultado da composição eficiente daquelas pessoas), o mistério em si se desenvolve com poucas pistas ou despistas e, assim, sua resolução traz pouca satisfação ao público – que não recebe o necessário para formar suas próprias conclusões e, portanto, não consegue realmente ser surpreendido. Conforme a história vai chegando ao final, ficam cada vez mais perceptíveis informações que poderiam ter sido passadas ao público bem antes, e que foram escondidas para tentar criar “reviravoltas” que, portanto, parecem acontecer do nada. Uma revisita ao filme, então, não trará a fascinação de perceber novas informações e detalhes. Além disso, enquanto a narração de Libby é esperta e sarcástica, o diálogo é frequentemente clichê e, ao tentar criar frases “profundas”, solta coisas óbvias como “você está tão encarcerada quanto eu”.
Encerrando o longa com uma conclusão acertadamente não otimista demais, Lugares Escuros é, portanto, uma história carregada por sua protagonista, uma (anti-)heroína incomum e interpretada por Charlize Theron com seu talento e força habituais. Salvo por seus personagens interessantes, a produção perde a chance de se tornar uma obra memorável ao investir em um roteiro raso, que desperdiça o mistério central ao esconder as informações do público.
“Dark Places” (França, 2015), escrito e dirigido por Gilles Paquet-Brenner, com Charlize Theron, Christina Hendricks, Nicholas Hoult, Tye Sheridan, Chloë Grace Moretz, Corey Stoll, Drea de Matteo e Sean Bridgers.