A Luz Entre Oceanos está sempre a apenas um passo de cair no abismo do melodrama. Mesmo assim, a obra oferece momentos sinceros de emoção, sendo hábil na tarefa de colocar-nos dentro da mente dos personagens para que possamos entender suas decisões equivocadas tomadas por motivos nobres.
No final da década de 20, em uma ilha remota na costa australiana, o veterano de guerra Tom Sherbourne (Michael Fassbender) aceita a vaga de faroleiro. Ao chegar na cidadezinha onde ele desembarca antes de iniciar o novo trabalho, Tom conhece a jovem Isabel Graysmark (Alicia Vikander), e os dois logo se encantam um pelo outro. Tom busca a solidão após os horrores presenciados na guerra, mas Isabel também sofreu com suas consequências: seus dois irmãos foram mortos em batalha, e ela se esforça para manter o otimismo e a alegria de viver.
Algumas cartas trocadas depois, Tom e Isabel se casam e vivem meses felizes e apaixonados na ilha. Os anos se passam, e o sonho do casal de constituir uma família parece cada vez mais distante após Isabel perder dois bebês. Então, quando um barco aparece na ilha trazendo uma adorável bebê e um homem morto, Isabel insiste para que eles criem a criança como se fosse deles, enterrem o homem e finjam que nada aconteceu.
A culpa e a hesitação iniciais de Tom são abafadas conforme os dois se acostumam à nova vida ao lado da bebê, que batizam de Lucy. Isabel e Tom oferecem seu melhor a ela, que se torna uma garotinha absurdamente adorável, esperta e apaixonada pelos pais. Afinal, os pais de uma criança são aqueles que lhe oferecem amor, educação e conforto, não é mesmo? A questão é que Lucy não é órfã nem foi abandonada, e na cidadezinha costeira onde Tom e Isabel se apaixonaram, Hannah Roennfeldt (Rachel Weisz) tenta retomar sua vida após perder seu marido e sua filhinha, dados como mortos após desaparecerem no mar.
Assim, o roteiro assinado pelo também diretor Derek Cianfrance, por sua vez baseado no livro homônimo de M.L. Stedman, é hábil ao estabelecer a situação com a complexidade necessária para que entendamos as motivações e as ações dos três personagens centrais à trama. Isso também é mérito do excelente elenco, é claro.
Michael Fassbender transmite a intensidade de Tom ao internalizar seus conflitos, comportamento condizente com um homem que voltou do inferno e acreditava jamais conseguir ser capaz de conhecer a alegria de novo, mas que carrega o peso da mentira que originou a família que tanto ama. Alicia Vikander, por sua vez, continua demonstrando ser uma das atrizes mais interessantes de sua geração, e faz de Isabel uma jovem mulher vivaz, determinada e intensa. Responsável pela maioria das principais ações que movem A Luz Entre Oceanos, seus sentimentos palpáveis se contrapõem à internalização do marido. Fechando o elenco principal, Rachel Weisz traz força para uma personagem que surge já no segundo ato e que se vê como mãe de uma garota que reconhece outras pessoas como pais.
Cianfrance constrói a conexão entre esses personagens com talento, mas outro ponto que merece destaque é a forma com que a obra discute o pós-guerra. Tom é reconhecido por sua bravura por defender o país, mas ele, Isabel e os demais habitantes da cidade não falam da guerra de forma glorificada ou cegamente patriótica. Aqui, a tragédia, a devastação e a inutilidade das vidas perdidas na guerra são reconhecidas e lamentadas, e o casamento de Hannah com um alemão discute o preconceito em imediatamente reconhecermos outro ser humano como “inimigo”.
O diretor também tira o máximo proveito dos belíssimos cenários de A Luz Entre Oceanos, que o diretor de fotografia Adam Arkapaw banha em tons frios, transmitindo a solidão e o crescente desespero dos personagens. Da mesma forma, o oceano surge como uma força incontrolável, seja em momentos de tranquilidade quanto de agressividade. Conforme o filme avança rumo ao terceiro ato, entretanto, a delicadeza dos momentos iniciais dá lugar aos avanços rápidos da trama que, assim, torna-se cada vez mais próxima do melodrama. Assim, a cena final equivocada pouco acrescenta de real às histórias de Tom, Isabel e Hannah que não pudesse ser transmitido de maneira mais sutil e interessante.
Capitaneado por um trio de atores talentosos e carismáticos que transmitem com força a complexidade de seus personagens, A Luz Entre Oceanos é uma obra que transmite suas intensas emoções de forma, na maior parte do tempo, honesta e apaixonada. Mesmo com seus tropeços, temos aqui uma história envolvente sobre as ações que tomamos baseadas no amor. Sejam elas as mais adequadas ou não, o resultado é, aqui, o bastante para que as consequências sejam aceitas quando vierem.
“The Light Between Oceans” (Reino Unido/Nova Zelândia/Estados Unidos), escrito e dirigido por Derek Cianfrance, baseado no livro homônimo de M.L. Stedman, com Michael Fassbender, Alicia Vikander, Rachel Weisz, Jack Thompson, Thomas Unger e Florence Clery.