Mad Max Filme

Mad Max | Vingança e asfalto

Para quem é amante de cinema, comprar um título em DVD (ainda não cheguei no moderno Blu-ray, e estou aceitando “patrocínios” que me ajudem a dar esse próximo passo) é uma tarefa um pouco mais complicada do que parece. Mesmo que levados pelo ímpeto das promoções de lojas online e das baciadas de hipermercados, ainda assim o cinéfilo pensa a respeito do que aquele filme representa para ele, afinal levar um disquinho desses para casa, faz aqueles 120 minutos se tornarem uma escolha para sua vida, um pedaço de seu contexto. De sua bagagem.

Amante da sétima arte compra filmes que já viu e gostou, e não está disposto a dar de cara com alguma surpresa que vai manchar sua linda fila de DVDs. A lateral negra com Cidadão Kane escrita em um branco quase prateado não merece ser “encoxada” pelo Optimus Prime.

Ver esse DVD pela primeira vez depois que você demora alguns minutos tentando transpor a bendita embalagem de plástico, que sempre rasga no meio e continua prendendo os cantos da caixinha, é delicioso. Acabar o filme e se lembrar por que pagou alguma coisa e 99 centavos por ele é indescritível.

Na verdade, gastei esses três parágrafos (que na verdade era para ser um único, vulgo Lead), justamente para tentar entender por que fiquei tão aliviado quando acabei de ver Mad Max e descobri por que o tinha comprado por pouco mais de vinte reais. O filme dirigido por George Miller, lá na Austrália em 1979, e que serviu como trampolim para o astro Mel Gibson (já tinha estrelado um outro, também na Austrália dois anos antes) não trafega no panteão do cinema de graça.

Mad Max não criou absolutamente nada, mas soube, como poucos, equilibrar uma quantidade sem número de influências em um filme preciso, forte, marcante, e talvez o mais importante, divertido. É um filme sobre duas vinganças, asfalto e um monte de perseguições automobilísticas.

Miller começa acertando em não fazer um filme pós apocalíptico. Diferente do que a maioria às vezes parece pensar, Mad Max é posicionado “alguns anos no futuro”, mas parece querer dizer “um pouco antes do fim”, ou durante o tal do Apocalipse. Uma época em que tudo que vemos ainda parece ser comum aos nossos tempos, mas esquecido, enferrujado e coberto de poeira, como se o prazo de validade do mundo tivesse expirado e ninguém tivesse lembrado de jogar fora. Um mundo onde as coisas parecem ter parado de ser inventadas e tudo tivesse sido tirado de um antiquário, um ferro-velho ou um brechó.

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É lógico que não se deve misturar a precariedade da produção com uma dádiva do filme, mas sim entender que fazer o máximo com pouco em mãos, e mesmo assim acertar na mosca é algo digno de palmas. No mesmo ano, O Franco Atirador ganhou o Oscar diante de um gasto de quinze milhões de dólares, Mad Max entrou para o subconsciente cinematográfico tendo gasto trezentos e cinquenta mil. Não desvalorizando o primeiro, mas sim valorizando o segundo.

Esse jeitão exploitation de Mad Max, resultado não só da cabeça de Miller com Byron Kennedy, parceiros no argumento do filme, como mais ainda da direção de arte de Jon Dowding (que depois disso não fez nada muito marcante) talvez seja a grande chave de Mad Max, criando um contexto e um cenário tão fortes, que deixam o caminho livre para todo resto do filme simplesmente fazer o feijão com arroz. Mad Max parece saído de algum gibi de ficção científica punk, com carros envenenados, roupas de couro, personagens marcantes e vilões cartunescos. Além, é claro, de uma enxurrada de nomes que entraram para a história. O enorme chefe da polícia, com o cabelo raspado e uma echarpe branca, onipresentemente enrolada em seu pescoço, Fifi, ou o vilão Toecutter, com sua única sobrancelha e o cabelo cheio de mechas brancas desgrenhadas. Sem esquecer do pequeno bebê, filho do protagonista, chamado de Sprog.

Miller parece perceber o quanto esse pequenos detalhes são tão preciosos para o filme e com isso não economiza em apontá-los com sua câmera para compor todo o filme, criando uma estética que aproxima a trama do espectador de um modo arrebatador. Em poucos segundos você parece perdido dentro daquela perseguição, que na verdade serve de um ponto de partida tão certeiro que a maioria das pessoas não percebe o quanto sua trama não se dá ao trabalho de criar algo conciso.

A gangue de motoqueiros chega à cidade, ou a o que sobrou dela e simplesmente margea alguma estrada banhada pelo deserto, para vingar a morte de Kinightrider, que morre no fim da primeira sequência. O impressionante é que eles conseguem a vingança e simplesmente resolvem perambular pela praia. Do outro lado Max, vivido por Mel Gibson então com seus 23 anos, resolve sair da MFP (Main Force Patrol, uma espécie de força policial responsável por cuidar daquele território aparentemente sem leis) depois que seu parceiro, Goose, sofre a tal vingança da gangue. Max e sua família saem em um passeio bucólico pelo interior do país, até que dão de cara com a tal gangue que acaba matando sua esposa e filho. Começando então a segunda vingança.

A grande verdade é que Miller, joga com a sinceridade do espectador e não tenta criar uma trama rocambolesca para ligar os dois eventos, deixando tudo no campo da coincidência, e isso agrada em cheio o público, que ainda não gostava de ser enganado. Mad Max parece tratar do inevitável, do destino, como se Max estivesse, desde o começo, fadado a passar por essa provação trágica. Para isso, Miller mais uma vez acerta em cheio na hora de manipular suas imagens à favor do filme. Como um bom diretor deve fazer: em exatos três momentos levar o público para onde ele quer.

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Enquanto os carros perseguem Nightrider, logo no começo, Max é apresentado como um mosaico de referências, uma bota, um óculos, um carro etc., sua verdadeira face só ganha vida fora do espelho retrovisor quando é chamado para “resolver” o assunto antes que a perseguição chegue na cidade. É nesse momento que todos se apaixonam pelo (anti) herói, e não mais se importam com o que acontecer, contanto que ele consiga sobreviver àquilo tudo. Algum tempo depois (provavelmente na mesma estrada diante do pouco dinheiro), Miller não mostra o bebê morto, mas com certeza choca muito mais com o pequeno sapatinho, e a bola de brinquedo, rolando pela estrada. Pronto está aí tudo que se necessita para empurrar o filme para sua batalha apoteótica do bem contra o mal. Se não fosse pela cena seguinte da esposa em coma.

Miller destrói a vida de Max em um plano e logo depois lhe dá esperanças, o plano se abre enquanto alguns médicos comentam o caso, até mostrar o herói chorando do lado de fora do quarto, ao mesmo tempo que um dos médicos comenta a iminente morte da mulher. Talvez um dos maiores fins de esperança do cinema. Miller esmaga Max, e por consequência todos nós. Três cenas que resultam em uma das sequências mais marcantes da história do cinema: a vingança enlouquecida de Max contra a gangue de motoqueiros, que dura muito menos do que parece, e só acontece bem perto do fim do filme, em um terceiro ato ssitemático que, pura e simplesmente, finaliza a busca do herói por seu objetivo, além de virar combustível para diversas e mais diversas fontes de inspiração. Ou você achava que foi Jigsaw o primeiro a presentear alguém com uma corrente, uma serra e uma canela?

Ver Mad Max hoje parece provar que ele, não só não envelheceu um dia sequer, como ainda conta com uma estrutura narrativa consciente e, de longe, bem melhor que uma grande maioria de filmes atuais. Eficiente e assustadoramente moderna ainda para os padrões de hoje. Com uma direção que sabe se encaixar dentro do filme, que o compõe de modo equilibrado, que pára diante de um diálogo, te joga no chão contra o asfalto, e no fim, entra para a história como um dos marcos do cinema.

Na pequena prateleira, sua lateral preta e o Mad Max escrito de um modo parecendo gasto, ganha status de clássico, desde que nenhum numeral se junte ao seu nome. “We don´t need another hero” nem precisaríamos de mais dois filmes.


Idem (1979) direção: George Miller roteiro: George Miller (hist./rot.), Byron Kennedy (hist.), James McCauland (rot.)com: Mel Gibson, Joanne Samuel, Steve Bisley e Hugh Keys-byrne


7 Comentários. Deixe novo

  • […] difícil acreditar que quase quatro décadas depois do primeiro filme e exatos trinta anos depois do terceiro filme, Mad Max pudesse voltar aos cinemas de modo tão […]

  • […] ele realmente está, a ideia é a mesma. George Miller mudou os rumos do cinema com Mel Gibson e o primeiro filme, o nascimento dessa “Wasteland”, um lugar que se tornou um apocalipse de poeira e estradas […]

  • […] fim do mundo como conhecemos não será uma guerra à la Mad Max ou algum apocalipse zumbi. Talvez ele seja só mesmo o término daquilo que a humanidade enxerga […]

  • […] o que faz com os carros da equipe coloca o grupo de policiais em pensamento de ação que beira o Mad Max com seus carros de interceptação. Mas tudo isso acaba quando Lilo acaba sendo acusado e perseguido […]

  • Leonardo
    16/08/2019 17:48

    Ela, esposa de Max, teve falência dos rins, praticamente ninguém sobrevive a isso, incluindo os outros traumas! Ao meu ver, ela morreu.
    George Miller quando finalizou as filmagens em 13 de janeiro de 1978, não tinha interesse em deixar as coisas muito claras e nem tinha dinheiro para isso, e jamais pensou no sucesso inesperado da película ao redor do mundo (AU$ 108.000.000,00). Na realidade, ele apenas queria fazer uma distopia com personagens caricatas no outback australiano, só não esperava o sucesso estrondoso fora das terras dos aborígenes.

  • A cena da mulher no hospital até hoje me intriga. Você disse em sua resenha que os médicos comentam sobre a morte iminente dela, mas em nenhum momento eu consegui ver isso. Eles dizem que ela pode sim sovreviver, e olha que já vi as versões dubladas e legendadas, e mesmo os diálogos em inglês. No fim ele termina a vingança dele e no filme não mostra se ele volta pra ver se a esposa realmente morreu.

  • Tioni Oliv
    19/10/2009 17:15

    Orra, lembro do "Além da cupula do trovão"! Vanguarda!

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