O Mundo Depois de Nós (Netflix, 2023) | Crítica do Filme

O Mundo Depois de Nós | Explicado… mas não do jeito que você queria

O fim do mundo como conhecemos não será uma guerra à la Mad Max ou algum apocalipse zumbi. Talvez ele seja só mesmo o término daquilo que a humanidade enxerga como comum e mundano. O Mundo Depois de Nós parece ser justamente sobre isso, não sobre um grande avento emocionante e cheio de ação.

Talvez isso seja uma faca de dois gumes para Sam Smail, que explodiu em Hollywood e apareceu para o grande público ao assinar a série Mr. Robot. O cineasta está por trás da direção e do roteiro de O Mundo Depois de Nós, baseado no livro de Rumaan Alam, mas todo mundo só quer mesmo saber é de Smail e seu novo filme, com jeito de blockbuster da Netflix e com um elenco capitaneado por Julia Roberts, Mahershala Ali e Ethan Hawke. Portanto, o que não faltam são expectativas. Mas o que realmente são “expectativas”?

Tudo bem, tudo começa a soar meio existencial, mas O Mundo Depois de Nós está justamente nesse lugar. Quer o espectador queira ou não. Quem embarcar nesse formato de respostas indiretas e indigestas ao invés de algum clímax mais alto que o estampido de um tiro, vai terminar com o filme diante de uma experiência poderosa, inteligente e firme em suas intenções. Quem quiser o tiro, com certeza vai reclamar do filme. Mas o cineasta não parece preocupado com esse público. Ou até se preocupe, mas como um exercício de frustração e anticlímax. Afinal é sobre isso seu fim do mundo.

Como se estivesse mais preocupado em entender o quanto é necessário para o ser humano moderno cair em seu apocalipse pessoal. A resposta não é nenhum tipo de loucura ou caos, mas sim a solução mais realista que se possa imaginar: a sobrevivência. Smail está em busca, justamente da explicação para isso e não sai em busca de uma teoria maluca sobre soluções diante do fim. Talvez também nem seja o fim, mas apenas um novo começo e Smail quer observar, justamente, esse momento de transição a partir do olhar de quem está na margem desse conflito. Os homens e mulheres que, por definição social, são comuns e sem grandes qualidades extraordinárias.

Julia Roberts e Ethan Hawke são um casal que viaja com os dois filhos para uma mansão enorme alugada em Long Island, até que no meio da madrugada um homem e sua filha (Mahershala Ali e Myha´la) batem à porta se dizendo donos daquela casa e fugindo de um blackout que apagou Nova York inteira.

É lógico que o primeiro momento pós esse encontro resulta em uma tensão e suspeitas, mas O Mundo Depois de Nós não é sobre isso, portanto isso passa logo e aos poucos o espectador e os personagens começam a descobrir que, na verdade, o país está sob um ciberataque. Portanto, sem internet e qualquer meio de conexão para ninguém e lugar nenhum. Principalmente na pequena região de Long Island.

O Mundo Depois de Nós | Explicado... mas não do jeito que você queria

O filme de Smail é sobre descobertas. Sobre reações diante do inevitável. Sobre as escolhas diante de cada situação. Sobre consciências e motivações diante desse suposto fim. A solução geral parece pragmática, mas é muito mais sutil. Mesmo com o filme separado em capítulos que remetem a algum momento, frase ou situação específica dentro do episódio, o objetivo maior parece mesmo ser o de separar seus personagens em jornadas emocionais e quase solitárias por um segundo, mas que logo se mostram coletivas. Como se cada um tivesse que “dar seu jeito” para entender esse novo mundo.

Mas como fica óbvio logo no começo, Smail quer brincar com aquelas expectativas citadas lá no começo do texto. Não são poucas as vezes em que ele constrói uma tensão gritante com a ajuda da trilha sonora da Mac Qualy (que trabalhou com ele na série Mr. Robot), para em seguida quebrar o clímax com uma solução absolutamente humana e realista. Afinal, é um filme sobre pessoas, não sobre heróis. Muito provavelmente outra ideia que deve chatear muitas pessoas, afinal, se enxergar na tela fora do herói e muito mais perto do ser humano frágil e incapaz de fazer nada a respeito, pode chatear quem tem complexo de protagonista em um mundo de coadjuvantes.

E quando Smail ruma para o final, provoca mais ainda seu espectador a tentar se colocar no lugar de “reação”, de finalmente fazer alguma coisa, sendo que isso é muito menos do que se imagina. Um objetivo tão movido pelo consumismo e pelo desespero de não estar mais no mundo que estava, que soa quase libertador, ainda que frustrante, já que muita gente ficará esperando uma grande discussão moral e filosófica por trás das decisões do roteiro. E aqui um segredo: elas estão lá, mas não do jeito que muita gente quer (as benditas expectativas!).

Mas até essas pessoas que reclamarão do final, com certeza ficarão ludibriadas pelo trabalho visual de Smail e seu diretor de fotografia Tod Campbell (que também trabalhou com ele em Mr. Robot). Entra alguns bons closes que se perdem nas atuações e uma (boa) mania de dar preferência para o sentimento e a razão do personagem antes de mostrar a cena para os espectadores, Smail se perde completamente nas possibilidades, enquadramentos e movimentos de câmera. Tudo bem que voar com sua câmera pelo buraco do teto de um barracão em uma plongee absolutamente plástico e bacana pode impressionar, mas depois de passar por três vidros, quatro andares e mais um monte de lugares apertados e malucos, tudo fica só cansativo e repetitivo.

Já sobre suas composições, elas já estavam lá em Mr. Robot, mas por lá pareciam ter mais função narrativa, já que o personagem estava constantemente prensado e até perdido dentro do próprio mundo. Por aqui, tudo parece apenas mal encaixado e com espaço demais na tela sem acontecer nada. Como se estivesse preocupado demais com um resultado estético muito maior do que seu filme e sua história necessita, principalmente, pois fica absolutamente claro que seus melhores momentos estão nas decisões mais simples e objetivas.

Ainda que essas soluções sejam, justamente, para provocar seus espectadores a repensarem aquilo que achavam que receberiam. Afinal, é o final do mundo como o conhecemos, mas nem por isso deveria significar o fim da humanidade, seus problemas e questões intrínsecas a essas pessoas. Não heróis. Pessoas.


“Leave the World Behind” (EUA, 2023); escrito e dirigido por Sam Esmail, a partir do livro de Rumaan Alam; com Julia Roberts, Mahershala Ali, Ethan Hawke, Myha´la, Farrrah Mackenzie, Charlie Evans e Kevin Bacon


Trailer do Filme – O Mundo Depois de Nós

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