Masha | A queridinha da máfia


Masha é a história de uma menina que cresce sob as asas da máfia local russa. Sua “família”. Um filme atemporal embora haja discos de vinil, fitas cassete e ausência de celulares. Não há contexto histórico, o que é curioso quando lembramos da desculpa do Padrinho para seus atos: “São os tempos que vivemos. Eles não são normais. Não há alternativa. Hoje é matar ou morrer.”

Tudo é filmado lindamente com uma fotografia de Gleb Filatov que evoca o lúdico do mundo da garota de 13 anos, com destaque para um misto de luz e cores quentes drenadas de seu brilho. Este é um mundo cinza que está colorido porque hoje é o que as pessoas assistem e é o filtro que a jovem Masha se enxerga no momento em que se torna uma adolescente e descobre o amor.

Mas ela também canta. E canta muito bem. A única influência do seu pai são os discos de jazz, mas ela recebe aulas de uma cantora eventual que se torna a mulher do bando de seu tio, o temido Padrinho. Apesar de Masha ser jovem, sua mãe já exibe rugas de preocupação e aguarda o momento certo para fugir daquela vida antes que seja tarde.

Um filme curto, principalmente, porque apesar de uma história cheia de eventos, eles se sucedem com uma rapidez econômica. O que fica são as sensações de como Masha encara tudo isso. Há vantagens em ser a queridinha e protegida da máfia local, mas há desvantagens também. Entre elas a falta de alternativa. Ou se vive assim ou não se vive.

A edição de Mukharam Kabulova constrói “fades” e quebras de ritmo que deixam o espectador inconscientemente incomodado. Nós já conhecemos algumas versões dessa história no cinema, mas para onde essa em específico está caminhando? A violência ou a ameaça constante tornam este longa tenso do começo ao fim.

A diretora estreante Anastasiya Palchikova realiza aqui um trabalho soberbo, de admirável controle. Ela não está interessada em se impor como autora, mas sim em conduzir uma história visceral com alguns traços que remetem à sua paixão por cinema. Esta é uma cineasta cujas execuções dá gosto de ver, pois é muita competência escondida atrás das câmeras e, contra os ventos contemporâneos, pouco discurso social enfiado goela abaixo. Embora este exista, já que estamos em um universo arrebatador de vidas como se fossem nada, não é imposto como na maioria da cinematografia militante atual: é sentido.

É preciso fazer um destaque para a jovem atriz Polina Gukhman, cuja espontaneidade está sob controle e a serviço de uma personagem que é vivida mais como uma ideia do que um ser humano. Quando troca-se para a sua versão adulta, interpretada por Anna Chipovskaya, já não se sabe quem é a melhor em cena. Enquanto Gukhman exibe um frescor de juventude e descoberta instigante, Chipovskaya carrega um enorme peso em suas costas e o espectador sente imediatamente. Ela aparece logo no início do filme e em alguns minutos no final, mas são o suficiente para capturarmos uma performance memorável.

Masha é um filme que cuida de tantos detalhes em seu universo que com o passar dos atos se torna atraente viver naquele mundo. É um ledo engano, e sutilezas à parte, as mortes do filme nem soam tão viscerais. É esse olhar jovem que transforma tudo. Estamos compenetrados na possibilidade do ser humano em enxergar sua realidade apenas como o normal. Até não ser mais e ocorrer a inevitável queda na adolescência de que não somos especiais. Essa queda é mais dolorosa ainda se você acha que é a queridinha da máfia.


“Masha” (Rus, 2020), escrito e dirigido por Anastasiya Palchikova, com Maksim Sukhanov, Anna Chipovskaya, Polina Gukhman e Aleksandr Mizev


O FILME FAZ PARTE DA COBERTURA DO 2° FESTIVAL DE CINEMA RUSSO

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