Matrix Ressurrections tem tudo que os outros filmes da série têm, mas é diferente. Tem um objetivo diferente e um resultado igualmente díspar

Matrix Ressurrections | Mais pílulas vermelhas

O “verde computador velho” está lá, as letras japonesas descendo pela tela também. Neo, Trinity, Morpheus, as máquinas, as pílulas, até um agente Smith também estão por lá. Matrix Ressurrections tem tudo que os outros filmes da série têm, mas é diferente. Tem um objetivo diferente e um resultado igualmente díspar. Talvez até irregular.

O filme agora tem o envolvimento de só uma das diretoras originais, Lana Wachowski, que também escreve o roteiro em parceria com a dupla que também esteve com as cineastas na série Sense8, David Mitchell e Aleksander Hemon. Mas isso não explica nenhuma mudança, só constata que o filme tem intenções óbvias e claras, já que nenhum dos envolvidos parece disposto a tropeçar nas próprias pernas.

A primeira das intenções é voltar a esse mundo de Matrix. E isso eles fazem com segurança. Tudo continua lá, mas evoluído. O espectador vai encontrar um lugar que continuou existindo por décadas e décadas. Certos conceitos evoluíras, alguns personagens envelheceram e diversas situações agora são diferentes. Só isso deve ser suficiente para os fãs se deliciarem e matarem a saudades.

O segundo ponto é contar uma nova história. Por mais que ela se pareça com a do primeiro filme, o tabuleiro é outro e as peças estão em lugares completamente diferentes. Isso traz uma sensação de novidade e brinca com uma metalinguagem que talvez seja o ponto mais interessante de toda experiência. Sem muitos spoilers, o “novo” Thomas Anderson (Keanu Reeves) é um criador de videogames que ficou famoso após inventar um jogo que se tornou um sucesso mundial: Matrix. O problema é que, em seu mundo perfeito, ainda assim ele parece ter essas espécies de flashbacks e apagões onde ele não sabe se está no mundo real ou no mundo que ele criou.

É lógico que estamos falando de Matrix, então o mundo real não é tão real, por mais que algumas pessoas achem que ele é real… ou não. Enfim, é nesse lugar que reside parte da graça dessa história.

Infelizmente, o que vem depois disso não é tão inspirado assim. Essa dicotomia de o que é real ou não logo se esvai e o que fica no lugar é um pouquinho de uma ação formuláica e meio sem criatividade. Como se a diretora errasse nos lugares onde quer mirar. Esse quarto Matrix, mesmo lembrando a todo momento que não está mais em um filme de ação qualquer, tem ação qualquer demais. Sobra ainda explicação demais e conceitualização de menos.

Nem uma, nem duas vezes, personagens precisam parar e citar longos discursos para explicar uma situação, plano ou evolução qualquer. E isso chega ao ridículo de um bullet time onde o vilão fica durante vários minutos explicando seu plano maligno… e chato.

Matrix Ressurrections

Com quase duas horas e meia de duração, cortar essa sobra e deixar o espectador pensar um pouco, com certeza faria de Matrix Ressurrections, um produto tão eficiente quanto o primeiro. Com certeza não melhor, mas absolutamente com um gosto diferente.

Enquanto na primeira trilogia a ideia geral por trás de tudo era muito mais existencial, o quarto filme se diverte sendo uma metáfora extremamente clara sobre o momento político atual e um retrocesso moral que atinge grande parte da população. Sobre isso, o filme da Wachowski ainda brinca com a ideia de uma fatia da sociedade que luta contra a liberdade e o empoderamento através de “bots” e um enxame cego de soldados que não se importam com nada a não ser a verdade imposta a eles. E tudo isso não é algo nas entrelinhas, mas sim jogado na cara dos espectadores.

É lógico que, mesmo assim, meio exposto demais e sem sutileza, a ideia é divertida e não se importa de posicionar o resultado do filme em um lugar bem específico e que está igualmente longe da comunhão com os restos da guerra, com a “produção de morangos” e o medo de enfrentamento. Ressurrection levanta suas armas e não tem receio de ser julgado (como já foi desde suas pré-estreias e sendo perseguido por um exército de perfis xingando o filme… o que demonstra o quanto ele está correto).

Todas essas intenções claras talvez também deixem claro o quanto o filme, mais uma vez, não consegue lidar bem com suas personagens femininas. Talvez por se importar demais com Neo e não saber o que fazer com a força delas diante do tamanho do personagem. E agora, mesmo tentando celebrar essa feminilidade no final (com a Trinity de Carrie-Ann Moss), parece esquecer (ou se privar) da possibilidade de valorizar isso desde o começo. Matrix Ressurrection é sobre Neo, mas devia ser (pela primeira vez na franquia) sobre Trinity.

O filme perde uma oportunidade incrível de espelhar essa ressurreição dela no nascimento de Neo, afinal é exatamente nesse lugar que o filme quer chegar (e chega!).

Ao lado dos dois, a Bugs de Jessica Henwick se esforça em cada momento que têm, assim como a nova versão do Morpheus, criada por Yahya Abdul-Mateen II, consegue entregar algo que foge do óbvio e da cópia, mas sem nunca ambos terem o espaço que os personagens mereceriam.

Quem também não tem o carinho que merece são as cenas de ação. Se os primeiros Matrix se tornaram um divisor de águas nos assuntos lutas, tiros e efeitos especiais, Ressurrections faz só o mínimo para não ser criticado, o que é pouco. As lutas, mesmo bem coreografas, não parecem ter uma clareza tão comum à franquia, o que é uma pena e vai fazer muitos fãs se decepcionarem.

Mas mesmo com a decepção de alguns, Matrix Ressurrections tem algo a dizer, tem uma história a contar e uma vontade enorme de ser minimamente novo. E como em meio a uma enxurrada de continuações e adaptações sem vontade de serem únicas, isso acontece tão pouco em Hollywood, é preciso celebrar essa vontade de ser diferente, mesmo igual.


“The Matrix Ressurrections” (EUA, 2021); escrito por Lana Wachowski, David Mitchell e Aleksander Hemon; dirigido por Lana Wachowski; com Keanu Reeves, Carrie-Ann Moss, Yahya Abdul-Matee II, Jonathan Groff, Jessica Henwick, Neil Patrick Harris, Jada Pinkett Smith e Priyanka Chopra Jonas


Trailer do Filme – Matrix Ressurrections

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1 Comentário. Deixe novo

  • Esse texto refletiu bem o que sentí. No terceiro ato eu estava confuso e desinteressado. E não tinha manteiga no cinema. Muitos desastres para um só dia.

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