Men | Perturbadoramente real por trás do fantástico

Não é difícil desconfiar do que é verdade ou não em Men, novo filme de Alex Garland, mesmo cineastas de Ex-Machina e Aniquilação. Principalmente o mesmo nome que assina esse segundo, já que Garland, assim como no sci-fi, em seu mais novo filme está em busca de um lugar onde o real e o fantástico estão à disposição da transformação de seus personagens.

Nesse caso, Harper (Jessie Buckley), uma mulher que, diante de um trauma envolvendo a morte do marido, resolve se afastar um pouco da cidade e ir morar algumas semanas em um casarão no meio de um vilarejo afastado de tudo. Na verdade, perto de um bosque enorme, uma igreja e um pub, e isso é necessário para colocá-la em uma jornada que mistura culpa, misticismo e terror.

O nome do filme vem, primeiro, da presença misteriosa de um homem nu que começa a persegui-la na floresta e chega a rodear e tentar invadir a casa de Harper. Mas o título original está no plural, portanto, homens. E é isso que acontece. Em pouco tempo a impressão é que Harper é a única mulher da vila inteira (com exceção de uma policial que some do filme) em contraste com a desagradável impressão de que todos homens são uma versão esquisita de um mesmo, vivido por Rory Kinnear.

Garland convida seus espectadores para uma viagem estranha e cheia de símbolos. A maçã caída no jardim da nova casa pode ser o bom e velho pecado original. A igreja do vilarejo tem no centro uma estátua representando duas deidades pagãs. Tudo parece fora do lugar e Harper precisa entender a si mesma para conseguir seguir em frente. Ou melhor, enfrentar seus inimigos… nada de demônios internos ou coisas do tipo.

Ainda assim Men precisa ser desvendado. Garland não está interessado em deixar um caminho limpo e indefeso para seus espectadores. Ele desafia quem está mergulhando em Men junto com Harper. Ela própria está afundada em um lugar que ela já conhece bem (como toda mulher), mas precisa enfrentar isso mais uma vez antes de chegar no lugar que realmente procura.

A personagem é esmagada por um relacionamento violento e opressor vivido por seu ex-marido. A culpa dela não existe, mas mesmo assim ela precisa carrega-lo como uma mala pesada. E não adianta estar um pequeno vilarejo, a incansável luta contra esse sentimento não irá abandoná-la até o derradeiro, aterrorizando e perturbador final. Quanto mais o espectador desvendá-lo, mais ele se torna inquietante e, ao mesmo tempo, satisfatório.

Garland não engana seu espectador com subterfúgios preguiçoso e mentais. Men acontece na cara do espectador com uma riqueza de detalhes que vai fazer muita gente desviar o olhar. E quanto mais ele é explícito, mais impressionante se torna seu esforço para contar uma história que é o que ela é, doa a quem doer.

Harper encontra um grande túnel no meio da floresta e, metafórica e literalmente, consegue escutar sua voz do jeito que ela é, não àquela que a afugenta de sua liberdade. Mas isso desperta uma presença, não um homem, mas sim vários, cada um sutilmente representando as maiores e menores agressões que Harper e um número incontável de mulheres, acabam tendo que lidar.

O que poderia ser uma alegoria se torna real e Harper se vê em meio a uma perseguição onde essa criatura pagã, o Homem Verde, espécie de representação de renascimento e do ciclo de crescimento, consequentemente, da morte. Talvez, vinda da mesma igreja, Harper tenha a proteção da figura de Sheela na gig, desde a antiguidade usada para afastar os espíritos ruins e a morte. Mas a morte agora faz parte de Harper, pelo menos enquanto ela não exorcizar esse sentimento.

O Homem Verde não é apenas um, mas sim todos, e Harper precisará encarar todos para entender o quanto aquela culpa não é dela. Muito menos a maçã te leva ao pecado. O terror é real e uma mordida em uma fruta não colocará ninguém no caminho de nenhuma perdição psicológica. O rastro de sangue no final do filme é bem claro e segui-lo até dentro da casa só iria mostrar o óbvio ao espectador: o verdadeiro terror é real.

Garland entrega todo terror que o espectador espera encontra em Men, assim como uma mensagem poderosa e que não permite ninguém ignorar suas intenções. Não existe desculpa para qualquer um entender qualquer coisa que não seja aquilo que o diretor está mostrando na tela. O místico pode atrapalhar a compreensão do real, mas a verdade do filme continua intacta e isso é ainda mais perturbador para quem entrar no filme em busca de respostas fáceis e sutis.

O diretor, que também escreve o roteiro, não quer entregar um filme inofensivo, mas sim um desafio emocional onde as perguntas são respondidas com um gore que cobre de sangue aquilo que parecia ser só um terror psicológico. Não é, Men é realista. Se não em seu lado místico, com certeza na luta de Harper contra esse mundo que a rodeia. Infelizmente, não só o dela.

O que é real ou não em Men fica para o entendimento de cada espectador, mas o significado de cada intenção do diretor, isso sim parece ser aterrorizantemente verdadeiro.


“Men” (UK, 2022); escrito e dirigido por Alex Garland; com Jessie Buckley, Rory Kinnear, Paapa Essiedu e Gayle Rankin


Trailer do Filme – Men

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