Mentes Extraordinárias | É preciso pensar

Quem gosta de filosofia hoje em dia, certo? De acordo com Mentes Extraordinárias, apenas os que dela precisam. E quem precisa hoje em dia? Igor, por exemplo.

Vítima de paralisia cerebral desde o nascimento, mas dotado de uma enciclopédia de conhecimento sobre como viver a vida graças às suas leituras dos grandes pensadores. É tão vasta a insignificância dessas pessoas dentro da sociedade hoje em dia que deduzimos que Igor recorre às grandes mentes do passado para se confortar com o fato de que ninguém irá querer conhecer a sua própria quando vê seu corpo retorcido e uma fala debilitada.

No outro extremo temos a filosofia prática e barata, representada e aplicada pelo agente funerário Louis. Quando seus clientes vem preparar um enterro e afirmam não acreditar em deus perguntam a ele e sua resposta é a mesma. Porém, quando Louis nota que seu cliente trata-se de alguém religioso sua resposta é exatamente a oposta. Acostumado à vida de confortar estranhos por dinheiro, seu trauma é não ter conseguido confortar sua ex-mulher quando seu filho morre aos dezessete anos.

Um acidente une esses dois e logo temos um road movie que passa rápido, em grande parte porque Igor é tão divertido. Seus diálogos são exemplos de um roteiro fresco e sagaz como há muito falta no cinema. Mentes Extraordinárias é um filme que passa rápido porque ele exibe uma série de ideias que se conectam e fazem o espectador pensar mais nas perguntas do que nas possíveis respostas para as angústias de estar vivo e saber que se vai morrer.

Sim, o tema é bem facinho de nos acomodar. Quem não gosta de refletir sobre a própria efemeridade e o quão tudo é tão absurdo? Porém, o filme não toma o caminho mais fácil de manter uma história simples e bem conduzida. Essa história é bagunçada, com personagens sem muito motivo de existência, como uma moça que vira carona eventual, ou uma prostituta inesperada, mas tudo isso também acontece na vida real quando nos entregamos às inexoráveis forças do destino. Quando portas se abrem não existe mundo fechado, e o filme entende tudo isso e prioriza seus personagens acima da aventura que estão vivendo.

O que é ótimo, já que seus personagens são interpretados pela própria dupla de diretores, Bernard Campan e Alexandre Jollien. Eles escreveram também o roteiro e é a sagacidade da trama que mantém tudo coeso e divertido. Bernard Campan faz um agente funerário cuja falta de palavras ecoa pelo ar. Alexandre Jollien torna muito difícil um espectador desgostar de sua persona.

Importante lembrar que Jollien na vida real também sofre paralisia cerebral, e seu personagem traz muito de si. Ele é um filósofo de carreira, tem trabalhos publicados e seu livro ganhou prêmio de literatura e filosofia. Isso explica o pedestal onde seu personagem coloca tantos pensadores e suas diferentes opiniões a respeito da vida e da morte. São nomes conhecidos, outros nem tanto, mas os que gostam de estar na moda provavelmente vão se lembrar dos estoicos, cujas ideias andaram vendendo alguns best sellers e likes no YouTube nos últimos anos.

Mentes Extraordinárias, contudo, não é um filme extraordinário. Ele apenas abre um parênteses em torno de tanta ignorância hoje em dia a respeito dos outros e, principalmente, a respeito de nós mesmos. É uma jornada de auto-conhecimento sem sequer sabermos. Ele não apela ao emocional apesar de seus personagens estarem completos na tela. É um novo Intocáveis, que também não é um grande filme, mas que você provavelmente irá gostar de revisitar depois de um tempo. Dá uma sensação gostosa saber que não estamos sozinhos no universo pensante.


“Presque” (Fra/Sui, 2021); escrito por Marine Autexier, Bernard Campan e Helene Gremillon, dirigido por Bernard Campan e Alexandre Jollien, com Bernard Campan, Alexandre Jollien e Tiphaine Daviot.


Trailer do Filme – Mentes Extraordinárias

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