Na Próxima, Acerto no Coração

Na Próxima, Acerto no Coração é uma imersão quase que completa na vida de um psicopata. Seria muito melhor se fosse completa. Infelizmente, mais uma vez, Guillaume Canet encara retratar um crápula da vida real, e a âncora dos fatos como estão nos depoimentos das pessoas envolvidas segura parte da poesia implícita nos momentos mais reflexivos de um thriller bem movimentado.

Ambientado nos anos 70, a história do policial/psicopata Franck Neuhart (baseado na biografia de Alain Lamare) é descrito no letreiro inicial como “um dos mais estranhos casos da polícia francesa”, automaticamente aumentando a expectativa do público (um artifício duvidoso para criar boas impressões sobre o filme). Para “compensar”, realiza uma rima das mais elegantes que une começo e final através de um olhar tão enigmático quanto significativo.

A direção e o roteiro de Cédric Anger trabalham em um ritmo que parece empurrado pela trilha sonora inquieta de Grégoire Hetzel. O compositor chega a reconhecer a melodia dramática do seriado televisivo Dexter, que retrata a vida de um serial killer, e serve como homenagem e referência temática. Franck tem compulsão por matar jovens mulheres, e o conhecemos “treinando” seus limites atropelando uma delas. Mesmo considerando que esse é apenas o início de sua vida de assassino, logo se torna óbvio que o rapaz não tem a menor possibilidade de sair ileso de seus atos, pois brinca com o perigo indo visitar sua vítima e é desleixado em apagar pistas. O filme inteiro se torna então um cronômetro que vai contando o tempo ainda livre que Franck possui para saciar seu desejo doentio.

Tentando evitar a narrativa em off, um recurso quase sempre usado para que entendamos o ponto de vista da vítima, é uma decisão inteligente do filme, ainda que deixe seus poucos pensamentos contidos nas cartas que enviava para a polícia, pois respeita o “conteúdo original” e confia na percepção do espectador de que por trás de Franck reside um monstro muito mais complexo do que aparenta em sua vida social, mostrando com todas as cores que um psicopata não apenas passa despercebido da sociedade, como ainda é comumente confundido com uma pessoa gentil e delicada.

Claro que tudo isso é graças à atuação firme de Guillaume Canet, que apesar de também ter interpretado um protagonista com um certo grau de sociopatia em O Homem Que Elas Amavam Demais, aqui constrói um personagem totalmente diferente. Introspectivo sem soar recluso, e sem narrar a história, suas cartas e seus diálogos deixam transparecer sua personalidade e visão de mundo, visão essa que parece, como todo psicopata, forçar um filtro na realidade em que ele precisa aceitar o que ele é. Usando suas próprias palavras: “um matador mata”. Ele lembra à distância Edward Norton, menos na fisionomia e mais na atuação magnética, embora o que Canet faça em Na Próxima… Norton use seu piloto automático em Birdman.

SCRATCH

Apesar de ser um thriller bem agitado, os momentos de maior brilhantismo residem quando nosso “herói” repousa na floresta, olha para o céu e pensa sobre seu papel no mundo. Ele se sente livre, para logo depois ser caçado como um animal. Ele tem tudo para ser um animal, traidor de sua espécie, e mesmo que seja horrível o que ele faz, é difícil fugir do fascínio que ele exerce no seu jogo com os policiais, ou de não se sentir melancólico com a situação de sua pretendente. É admirável que Cédric Anger dedique um tempo razoável explorando as nuances da relação de Franck com as pessoas e a natureza. Muito mais do que a entrega fácil de uma história que parece já contada e já vista um milhão de vezes.

Ainda assim, há algo de transcendental em uma história muito, muito… estranha. Sim, estranha. É uma pena que essa palavra, usada para descrever toda a experiência nos letreiros iniciais, tenha sido tão simplória, tão marketeira. Melhor se saiu o quadro inicial, mais enigmático, mais de acordo com a complexidade de um indivíduo impossível de conviver em sociedade. Ainda assim, digno de nossa empatia. Pelo menos cinematográfica.


“La Prochaine Fois Je Viserai Le Coeur”(Fra, 2014) escrito e dirigido por Cédric Anger, à partir do livro de Yvan Stefanovitch e Martine Laroche, com Guillaume Canet, Ana Girardot, Jean-Yves Berteloot e Patrixk Azam


Trailer – Na Próxima, Acerto no Coração

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