Não Me Toque Filme

Não Me Toque | Perde uma grande chance de ir além do sexo


[dropcap]N[/dropcap]ão Me Toque tem muitas coisas a dizer, mas perde pouco tempo explorando a grande maioria delas. O resultado final é uma obra bagunçada, frequentemente rasa e, apesar de todas as cenas que parecem desenhadas especificamente para chocar, nada envolvente. Assumindo um tom que mescla a ficção e o documentário, o longa ainda consegue dar menos atenção a seus aspectos mais interessantes.

Por meio do sistema de câmeras Interrotron, criado pelo documentarista Errol Morris, a diretora e roteirista (ou melhor, “roteirista”, já que o longa foi ou pelo menos parece ter sido majoritariamente feito no improviso) Adina Pintilie pode conversar com seus entrevistados a distância sem perder o contato cara a cara, já que uma tela especial exibe seu rosto diretamente em frente à câmera que filma o personagem. Outra consequência do equipamento é que ele dá um ar distante a essas conversas — há uma única interação presencial entre a cineasta e um de seus cases, mas ele consegue ser ainda mais artificial do que os momentos em que eles falam diretamente para a câmera. Isso acontece também porque Pintilie é a figura menos carismática entre todo o “elenco”.

Interpretando versões ficcionalizadas (até a que ponto, não dá para saber exatamente, mas é fácil identificar algumas das principais formas em que o real diverge do ficcional) de si mesmos, os atores de Não Me Toque oferecem seus corpos e suas psiques para que Pintilie discuta sexualidade, intimidade e todos os jeitos com que nós interagimos (ou deixamos de interagir) uns com os outros por esses meios. A discussão é centrada em Laura (Laura Benson). No primeiro plano do longa, a câmera passeia em “primeiríssimo plano” pelo corpo nu de um homem (Georgi Naldzhiev) para, em seguida, descobrir ser um garoto de programa contratado por Laura para masturbar-se na cama dela — ela jamais o toca, mas mergulha o rosto nos lençóis depois que ele vai embora.

Laura tem sérios problemas com intimidade e qualquer toque mais próximo é capaz de causar reações guturais. Mas ela quer solucionar esse conflito interno — o longa alude a uma possível causa quando fala do pai dela, mas essa possível subtrama é completamente abandonada logo em seguida. De qualquer forma, a protagonista conversa também com uma prostituta trans (Hanna Hofmann), que tenta ensinar a ela como tornar-se confortável com seu próprio corpo e em situações eróticas, e por um nada convencional terapeuta (Seani Love) que, dentre outras coisas absolutamente profundas escritas no roteiro ou pensadas na hora pelo elenco, afirma ter “um fetiche por lágrimas”.

Não Me Toque Crítica

Mas os momentos mais interessantes de Não Me Toque são aqueles centrados em Christian (Christian Bayerlein), um homem com uma severa atrofia muscular espinhal, e em Tomas (Tómas Lemarquis, que talvez você reconheça de Blade Runner 2049), que perdeu todos os pelos do corpo por causa de uma alopecia completa. Eles participam de uma espécie de programa/tratamento sobre sexualidade, onde Tomas tenta se abrir sobre seus problemas de intimidade e Christian discute a relação com o sexo e com o próprio corpo do ponto de vista de uma pessoa com deficiência.

Assim, Christian proporciona perspectivas realmente diferenciadas e únicas; o mesmo vale para Tomas e Hanna. O problema é que Pintilie emprega ainda mais voyeurístico quando fala deles; é como se, para ela, simplesmente incluir personagens marginalizados seja o suficiente, mas todo o centro da narrativa fica em Laura. Por algum motivo jamais explicado, ela começa a observar as sessões de Christian e Tomas e, ao eventualmente ter relações com um deles, isso acontece com Tomas, ou seja, com o que mais aproxima do padrão. Os testemunhos dos “pacientes” são os momentos mais interessantes e de maior sinceridade do longa, o que faz com que momentos como as sessões de Laura com Seani tornem-se ainda mais entediantes.

Desinteressado em explorar seus personagens para além da sexualidade, Não Me Toque oferece um espaço para que essas pessoas profundamente machucadas em diferentes sentidos desnudem-se (literal e figurativamente) diante das câmeras, o que é admirável até certo ponto. O problema é que, se por um lado há essa abordagem rasa, por outro, a cineasta levanta e ignora pontos secundários da narrativa o tempo todo, sem realmente aprofundar-se em nada ou discutir como se relacionam à temática principal.

Esse texto faz parte da cobertura da 42° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo


“Touch Me Not” (Rom/Ale/Cz/Bul/Fra, 2018), escrito e dirigido por Adina Pintilie, com Laura Benson, Tómas Lemarquis, Christian Bayerlein, Grit Uhlemann, Adina Pintilie, Hanna Hofmann, Seani Love, Irmena Chichikova e Georgi Naldzhiev.


Trailer do Filme – Não Me Toque

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