Napoleão | Não escapa da recuperação

Em uma recente entrevista para a The Times, Ridley Scott, diretor de clássicos absolutos do cinema como Alien e Blade Runner comentou seu “método de trabalho” e sobre não pensar no tamanho do filme, “eu acordo e penso: ‘ótimo! Mais um dia de estresse”. Na mesma entrevista apontou já ter feito 19 filmes desde o ganhador do Oscar, Gladiador, e completou: “desde que Scorsese começou Os Assassinos da Lua das Flores, eu fiz quatro filmes”.

Scott está se referindo a Todo Dinheiro do Mundo, O Último Duelo, Casa Gucci e agora esse Napoleão. E o que todos esses têm em comum? Nenhum vai ser lembrado como Alien, Blade Runner e até Gladiador, muito menos como praticamente qualquer filme assinado por Martins Scorsese. E talvez isso queira mesmo dizer que quantidade não é qualidade, ou apenas que para fazer um filme ser além da média, não adianta colocá-lo em uma esteira de fábrica.

Mas talvez esses últimos quatro filmes de Ridley Scott tenham um outro detalhe em comum, uma espécie de vazio, como se não tivesse uma boa história para contar, apenas um diretor absolutamente incrível e elencos poderosos sem saberem para onde ir. Todos são salvos pelo visual e pelos seus atores e atrizes, mas nenhum tem algo a dizer além de uma sensação episódica de acontecimentos (talvez O Último Duelo um pouco mais que os outros). Napoleão é o ápice dessa “fase”.

E todo mundo conheça a figura de Napoleão Bonaparte, doido francês que subiu na hierarquia do exército até ficar maior que o país, se tornar Rei e tentar conquistar o mundo inteiro. Ou algo parecido, já que o filme nunca tem a intenção de deixar isso muito claro.

O roteiro é escrito pelo mesmo David Scarpa que trabalhou com Ridley Scott no muito chato Todo Dinheiro do Mundo (antes disse tinha escrito o remake de O Dia em que a Terra Parou). E se esse currículo não impressiona, espere até ver Napoleão.

O filme é como uma aula pré-vestibular onde o professor está preocupado apenas com as datas e acontecimentos. O resto deixa com a genialidade visual de Ridley Scott. Portanto, um visual descomunal, violento e gigantesco, com batalhas maravilhosas e cheias de extras e câmeras colocadas em locais que nenhum espectador imaginaria possível… mas do que a gente estava falando mesmo? Que batalha é essa?

Um texto te contará que você está em 1789, na Revolução Francesa, mas se você não sabe muito o que é isso, tudo bem, o objetivo é ver o jovem Napoleão (Joaquim Phoenix) conseguindo uma de suas grandes missões pós guilhotinas comendo soltas. Apenas 4 anos depois, ele está em Toulon fazendo a tal missão, mas sem você saber direito como chegou lá. Um ano depois (1794) com o “Fim do Período de Terror”, o espectador conhecerá o grande amor do protagonista, Josephine (Vanessa Kirby), mas não entenderá direito que é esse “Período de Terror”.

Napoleão (o filme) mantém esse ritmo, vomitando datas com locais e situações que estão na história, mas sem em nenhum momento perder mais de duas ou três cenas antes de pular mais uma vez no tempo. O momento no Egito beira o aleatório e é impossível sequer entender direito a importância daquilo e como aquilo foi possível. Muito menos porque esse francês baixinho idiota iria atirar no topo das pirâmides. Na verdade isso é mentira, não aconteceu.

Também não aconteceu daquele jeito a batalha de Austerlitz com o lago congelado. Muito menos ele estava na decapitação de Maria Antonieta. Nem cavalgava bravamento em meio às batalhas. Enfim, Ridley Scott e David Scarpa decidem seguir esses caminhos para o bem do filme, mas é justamente a preparação para tudo isso que deixa a impressão de algo corrido e impreciso.

É impossível acreditar que Napoleão não tivesse o mínimo de capacidade política e fosse apenas um brucutu que só tinha a força a seu favor. Além de grande estrategista nos campos de batalha, seria improvável que alguém que “se coroa” e entende o simbolismo disso, não trabalhe nos corredores do poder e só conquiste territórios através de tiros. Mas nada disso está no filme de Ridley Scott, quase como se o cineasta não estivesse com paciência para essas coisas. Como se quisesse ir logo para a ação, já que sabe que é lá onde brilha e salva o filme.

Resumindo, quem entrar no cinema não saíra dele sabendo muito sobre Napoleão, talvez lembre dele transando com a esposa de modo caricato, ou uma briga com ela arremessando comida um no outro, mas além disso, nada. Vai lembrar dos acontecimentos e das datas, do golpe, dela não engravidar, do exílio, mas não propriamente dos personagens interagindo ou conversando muito mais que duas cenas sobre nenhum desses momentos. O descontrole é tanto que o filme praticamente não tem personagens coadjuvantes e poucos deles permanecem por mais de meia dúzia de cenas antes de sumirem pelo resto do filme. Melhor não se apegar a ninguém.

No meio disso, e com tão pouco material para trabalhar, Joaquim Phoenix e Vanessa Kirby “tiram leite de pedra” e aproveitam cada frame para serem gigantescos, esforçados e poderosos. Ambos criam personagens absolutamente humanos, mesmo com o roteiro lutando contra eles. Dois trabalhos que também salvam o filme com a direção.

Principalmente, pois, assim como Ridley Scott, são artesões. Cada detalhe que consegue explorar, eles vão além, assim como o cineasta. Napoleão é um filme enorme e merece ser visto na maior tela que o espectador encontrar, de preferência com um som que fique na mesma capacidade. Com isso em mãos, no escuro do cinema, todos ganharão um épico de proporções à altura dos melhores trabalhos de Scott quando o assunto é carregar o espectador para um outro momento da história com um capricho que entrega absolutamente tudo que é esperado.

Para os mais jovens, Napoleão é como aquele jogo de videogame com muita ação e diversão, mas que no meio tem umas cutscenes para empurrar a história entre cenários diferentes, mas que ninguém se importa com o que estão falando e o jogador aperta o botão para pular logo a cena. Já Assassinos da Lua das Flores… bom, ninguém compararia ele com um joguinho mequetrefe e vazio.


“Napoleon” (EUA, 2023); escrito por David Scarpa; dirigido por Ridley Scott; com Joaquin Phoenix, Vanessa Kirby, Tahar Rahim, Rupert Everett, Mark Bonnar, Paul Rhys e Ben Miles


Trailer do Filme – Napoleão

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