Natal Sangrento | Erra, mas tem algo a dizer


Talvez um dos maiores segredos do cinema seja: erre, mas tenha algo a dizer, porque quando isso acontece o erro fica para segundo plano. Natal Sangrento é o segundo remake de um dos seminais filmes de terror do slasher, para muitos até um dos primeiros, junto com O Massacre da Serra Elétrica, ambos de 1974. Mas esse novo Natal Sangrento decide ser novo, e isso já vale, por mais que não impeça ele de ser meio porcaria.

E a escolha das palavras não podia ser pior, já que “seminal” vem, justamente, de sêmen, e uma coisa que esse novo filme dirigido escrito por Sophia Takal não tem, é ligação com homens. Na verdade, até tem, mas como alívio e respiro diante desse esforço para se livrar das amarras misóginas e machistas do gênero. Natal Sangrento é um slasher feminista. E se isso não existe, que passe a ser conhecido e reconhecido.

Mas não estamos falando de final girls e scream queens, estamos falando de mulheres de verdade, com problemas de mulheres de verdade enfrentando o patriarcado do jeito mais violento e ativo possível.

As novas escolhas do roteiro de Takal em parceria com April Wolfe não fogem da trama original ao acompanharem esse grupo de estudantes universitárias que vivem em uma casa de fraternidade e acabam sendo perseguidas por um misterioso assassino… mas a ideia vai além, tropeça e se esborracha no chão e vira uma bagunça impraticável, porém tem seu ponto, e ele talvez valha a pena.

O principal desse desastre anunciado e que salva o filme, é não deixar nunca de tirar o pé do acelerador dessa alegoria que expõe a misoginia de modo exagero e divertido. Por mais que o filme brinque com coletores menstruais e vibradores para provar o ponto “você está vendo um filme para as mulheres”, é quando começa a apertar os botões dos assuntos mais sérios que passa a ter uma certa relevância. Desde a anulação do pensamento acadêmico feminino até estupro e, é claro, um grupo de homens que se juntam em algum tipo de irmandade cheia de segredos onde endeusam um cara mais velho e um tempo onde “tudo era melhor”.

Mas como esses são os vilões e você terá a oportunidade de torcer para que eles sejam massacrados no final, os defeitos estruturais do filme ficam um pouco de lado.

Natal Sangrento esbarra na própria caricatura, não do feminismo, mas dos filmes de terror. As resoluções não são interessantes e caem para uma mistura de realidade com extraordinário que parece surgir sem aviso ou preparo narrativo. Uma quebra na suspensão de descrença grande demais para o filme sobreviver. O resultado é uma experiência que parece tirar uma solução do mais absoluto lugar nenhum.

Já na parte mais técnica, ainda que o trabalho de Sophia Takal seja claro e limpo, com um ou dois sustos bem armados (o do sótão é ótimo), parece falhar completamente na responsabilidade do slasher de ter mortes interessantes e um mínimo de gore. Natal Sangrento é tão limpinho que poderá passar na Sessão da Tarde sem nenhum corte, e isso, definitivamente, é algo que não agradará nenhum fã do gênero ou qualquer um que for ver o filme em busca de um terror.

Entretanto, a parte divertida continua sendo maior do que o desastre. Não uma diversão com risos, mas sim pelo esforço de quebrar esse machismo do jeito mais consistente possível, o que deve ter levado muito espectador a torcer o nariz para algumas “verdades”. E quando você dá de cara com um filme que provoca o incômodo desse tipo de pessoa, mesmo sendo desastroso, o mínimo que a gente deve fazer é celebrá-lo e torcer para que, na próxima oportunidade, a qualidade das intenções seja a mesma da realização técnica e narrativa.


“Black Christmas” (EUA, 2019); escrito por Sophia Takal e April Wolfe; dirigido por Sophia Takal; com Imogen Poots, Aleyse Shannon, Lily Donaghue, Brittany O´Grady, Caleb Eberhardt e Cary Elwes


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