Numa Escola de Havana

Numa Escola de Havana

Uma sociedade onde o filho cuida da mãe drogada, é explorado pelo suposto pai e ainda precisa seguir o que os adultos lhe dizem para fazer, pois, como se costuma dizer, uma criança “nunca deveria estar fazendo essas coisas”. Pois adivinhe só? Em Numa Escola em Havana, o governo não se importa com que uma criança trabalhe, mas impede que um pai sustente sua família por morar no distrito errado.

Terceiro longa do diretor/roteirista cubano Ernesto Daranas, Numa escola de Havana parece possuir traços de um drama até certo ponto universal: conta a história de um menino que possui problemas na escola pela sua rebeldia e problemas em casa, e como isso irá afetar o destino da professora cinquentenária da instituição, cujo futuro vislumbramos em um texto lido aos poucos durante todo filme, obviamente anunciando sua demissão. No entanto, os detalhes em torno da história não negam sua origem ao mesclar sociedade, história e política típicos da cidade onde os fatos se desenrolam, que viveu cinquentas anos em um mundo apartado da realidade, e que hoje precisa encarar a realidade que bate à porta de tudo que foi feito, ou que não foi feito, durante essas cinco décadas.

Outro fato curioso é que, apesar de poder ser encarado como um filme politicamente neutro por sua sutileza, deixa escapar claros elementos liberais, nunca se confundindo com o lado “obscuro” do conservadorismo. Dessa forma, logo no início vemos o pequeno Chala (Armando Valdes Freire) cuidar de suas pombas e cães que servem ao seu sustento: animais presos para servir ao propósito de seu dono, independente da violência aplicada (como a briga de cães) e cuja liberdade ilusória pode ser ilustrada na cena do menino segurando as patas de uma ave que balança as asas para atrair suas companheiras. Se isso não tem relação nenhuma com a síntese de um estado autoritário e explorador, ou o filme é ingênuo demais ou ingênuo é o espectador.

A trilha sonora, lúdica pois se tratar da história de uma criança, mantém em seu pano de fundo o barulho estridente e ritmado ao fundo, sinal de um país em uma eterna revolução. Ao juntar esses dois elementos se confirma a sensação de impotência diante de uma infância transformada radicalmente pelo local onde nasceu. A interpretação competente de Armando Valdes Freire é sóbria, se revelando acertada com sua expressão sempre séria que grita ao espectador que esse não é um Carrossel cubano. No fundo estaria mais para para um Cidade de Deus. Já Alina Rodríguez, como a professora Carmela, possui a dureza de alguém que passou por uma vida sofrida, mas doce e reliente na medida certa para fazer-nos crer que essa é uma professora forte e segura de seus atos, como alguns de nós com certeza já deve ter encontrado nas escolas (formais ou da vida).

Sem querer soar como um filme de ação, ele é frenético com a ajuda de uma câmera na mão sempre tremendo, e os personagens vistos por inteiro em torno de um universo interessantíssimo composto por pobreza, nostalgia e desesperança. Há um pouco de tom novelístico e algumas frases piegas (“enquanto eu for professora dos meus alunos…”), mas nada que prejudique muito a imersão naquele universo fantasioso, onde regras ultrapassam o bom senso, mas de uma maneira sutil demais para soar caricato. Numa Escola de Havana não quer afastar pessoas que não concordem com seu ponto de vista, e por isso prioriza a abertura de um diálogo necessário no filme e na vida real, assim como hoje vemos o “país da liberdade” se aproximando da eterna “ilha de um ditador”. É um ótimo momento para o Cinema explorar essa dualidade de perto.

Numa Escola de Havana Crítica

A fotografia é quase épica, límpida em sua construção, mas que mostra ao mesmo tempo uma realidade coberta de prédios e carros antigos cheios de pó do passado. Os trens representam tanto essa viagem no tempo quanto a própria periferia dos sonhos. É lá que o interesse amoroso de Chala, a inspiradora Yeni, treina a dança de seus antepassados, e a interpretação da jovem Amaly Junco, igualmente dura, mas sensível nos momentos certos, consegue criar um contraponto que forma um “casal” adorável. Mas voltando aos trens: olhados de frente representam o progresso daquela nação, lento, cheio de curvas e barulhos (e é curioso que os trens seja um elemento simbólico do filme, assim como o livro O Desafio de Atlas, que fala também sobre liberdade, representa a economia de uma nação). Olhados de lado, são um risco constante nas travessias pelos trilhos de Chala.

No entanto, apesar de tantos símbolos e nostalgia, um ou outro momento de reflexão, dificilmente haverá momentos realmente calmos e contemplativos em Uma Escola de Havana. A tensão corre do começo ao fim, pois o suspense em torno do destino dos seus personagens parece ser uma questão imediata demais para que aquelas pessoas possam ter uma tarde tranquila.

Ao final, uma coisa se torna visivelmente clara: é hora de mudar. Essa é a conclusão, ironicamente, da mente mais antiga da escola, uma pessoa que passou por toda a história do regime comunista e que se orgulha em dizer a todos que nasceu e lecionou muito antes de todos presentes na sala terem começado a respirar. Infelizmente, algumas pessoas ainda não entenderão a mensagem, seja no filme ou na vida real. A comodidade de seus postos exige que elas não entendam. É vital para elas não entender, pois é assim que levam feijão para o prato todos os dias, de uma forma muito mais desprezível do que ganhar dinheiro com uma inocente briga de cães. No fim das contas, a violência da natureza nos cobra uma posição, cedo ou tarde. E quem ainda pretende tapar a realidade, cada vez mais castigada, pelas regras vindas de cima?


“Conducta” (Cub, 2014), escrito e dirigido por Ernesto Daranas, com Miriel Cejas, Yuliet Cruz, Armando Valdes Freire, Idalmis Garcia, Armando Miguel Gómez e Alina Rodriguez


Trailer – Numa Escola de Havana

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