[dropcap]J[/dropcap]ames Cameron deve ter ficado bem chateado com o que fizeram com o universo tão bem idealizado do apocalipse das máquinas sendo evitado pela força de uma heroína feminina que no fundo é a protagonista dos dois filmes anteriores. Em O Exterminador do Futuro 3: A Rebelião Das Máquinas Sarah Connor foi descartada como a protagonista que vinha sendo e uma nova história foi contada considerando finalmente seu filho, John Connor, como peça-chave para o destino da humanidade. O resultado é que não sentimos que nem John nem o filme fossem necessários à essa altura.
O problema com o filme é que ele não avança para nada de novo. Se trata de uma produção que busca apenas a satisfação visual de vermos novamente dois exterminadores do futuro na porrada, dessa vez com mais momentos de luta, mais explosões e mais efeitos. Porém, ignorando a questão, que era levada a sério nos outros filmes, de um ser tecnologicamente mais evoluído que o outro, as lutas soam falsas, e aumentando o barulho das explosões o filme deseja que ignoremos falhas conceituais como essa, e por nos oferecer mais efeitos visuais entramos na era de Hollywood em que estamos, atualmente, onde mais é mais, e muito mais é melhor ainda.
Exterminador do Futuro 3 está claramente influenciado e datado da época em que foi produzido, uma era iniciada em Matrix, de 1999, onde a luta corporal foi resgatada e detonar peças de louça estava na moda. Influenciado e longe de influenciar, ele se torna retrógrado uma década após seu lançamento. Carros que são operados remotamente por um robô do futuro soam implausível em 2003, porque não há chips de computador manejando o volante ou o acelerador. E até um leigo notaria o exagero na fantasia. É um efeito que quer ser mostrado para causar espanto no espectador apenas daquela época. Isso explica o efeito de ultra zoom em que a robô do futuro adentra os circuitos de um carro policial, outro clichê do ano, vindo de filmes que estreavam juntos, como Velozes e Furiosos 2.
Além de tecnicamente parado no tempo o filme é ideologicamente retrógrado, e hoje soa como piada a ideia de colocar mais mulheres no elenco para compensar a carência de Linda Hamilton como a “bad ass” Sarah Connor. Em vez de validar a presença feminina como uma força independente e necessária para proteger a humanidade da racionalidade destrutiva representada pela rede computadorizada consciente Skynet. O roteiro de John Brancato e Michael Ferris entrega ao Adão do filme, John Connor, sua Eva necessária para o par meta-romântico, nas mãos da atriz Claire Danes que a absorve com energia e sem alma.
Para a segunda mulher do filme, o “Exterminador do mal” se materializa pela voluptuosidade da figura feminina de Kristanna Loken, como T-X (um trocadilho com o cromossomo feminino?), que surge nua em uma bolha de dentro da vitrine de uma loja de roupas femininas, o que já é ofensivo a princípio, mas se torna mais ainda, pois ao invés da super-inteligência evoluída se virar para a loja de onde saiu e buscar por vestimentas ela ataca uma mulher aleatória no meio da noite em seu automóvel.
Já existe internet, e a Skynet soa como um “plot” completamente artificial inserido em um mundo já conectado. Em vez de utilizarem as possibilidades da era da informação os roteiristas preferem se manter em um nome e o que ele representa décadas atrás, usando literalmente robôs para destruir os humanos, em uma falta de sutileza típica de filmes de ação descerebrados. Essa falta de sutileza é exatamente a marca do fim da humanidade como a conhecemos, e o filme que torna o universo de Sarah Connor em um mundo onde as lutas e batalhas são mais importantes que as ideias por trás é o verdadeiro apocalipse, ao menos para essa série de filmes.
Como se as ideias de Brancato e Ferris já não tivessem gosto duvidoso, entregar o destino da humanidade nas mãos de um garoto viciado em drogas, dotado de problemas de auto-estima e excesso de sentimentalismo não apenas trai toda a educação e treinamento especializados que sua mãe o conduziu por toda a infância, mas também a própria figura de Connor representada por Edward Furlong no segundo filme. Se o Connor de Furlong ainda na idade pré-adolescente já era independente e esperto o suficiente, mesmo com a mãe trancada em um sanatório, a continuidade que Nick Stahl nos entrega trai a persona e as capacidades já adquiridas do herói do passado, que antes hackeava caixas eletrônicos e que hoje mal sabe sair da gaiola de uma clínica veterinária, sem contar que Stahl não possui sequer uma dose do carisma de Furlong, e soa tão deslocado que sequer parece estar no filme.
Mas, voltando para o roteiro, este John Connor não é apenas contraditório, mas também não faz sentido com sua persona no futuro, e nem no presente, pois não há arco no filme que justifique sua mudança de personalidade para quem ele se tornará.
Este é um filme de ação “high-tech” com elementos de um universo já montado e que foi aqui desconstruído sem remorso, mas com grandes perdas de ideias. Há explosões e destruição suficientes para anestesiar a mente dos fãs dos efeitos, mas perde-se a violência baseada na dualidade razão e emoção, onde a razão era representada por um robô, uma criação humana paradoxalmente sem vínculos emocionais com os humanos, e a emoção um retorno ao que temos de mais importante: nossa vida.
No lugar temos a T-X, que perde o conceito-chave e ganha um “quê” de assombração misturado com gore cibernético sanitizado, assim como as mortes do filme, próximas de nenhuma e quando ocorrem seu significado visual é muito direto, como uma mão que atravessa o banco do motorista para alcançar o volante. O que significa? Exatamente o que acabei de descrever, e nada mais.
Exterminador do Futuro 3 e outros filmes iniciam uma era de blockbusters que aproveitam os restos do progresso tecnológico catapultados por pessoas como James Cameron e George Lucas. Mais tarde, uma década depois, essa mesma tendência sofrerá uma inflação previsível nas mãos de uma mega-corporação que unirá franquias de filmes do espaço, super-heróis e fantasias recontadas sem personalidade em um conglomerado bilionário e onipresente nas mentes dos jovens que começa a nos fazer lembrar novamente de como era desafiador conceber uma vilã tão invisível, poderosa e impessoal quanto a Skynet.
“Terminator 3: Rise of the Machines” (EUA/Ale/UK, 2003), escrito por John Brancato e Michael Ferris, dirigido por Jonathan Mostow, com Arnold Schwarzenegger, Kristanna Loken, Nick Stahl e Claire Danes.