O Filho Eterno é mais uma incursão no mundo das pessoas com Síndrome de Down. Ao ouvir isso, no Brasil, nos lembramos de Colegas, de 2012, cuja produção tem um coração gigante, mas sua realização carece dos preceitos básicos que tornam o cinema um contador de histórias eficiente. Aqui temos o livro de Cristovão Tezza por trás da história, o que torna seu arco dramático um pouco mais ajeitado. Porém, mesmo assim, além das dificuldade de se adaptar uma obra literária que usa simbolismos demais, há muito o que aprender quando se trabalha com atores que possuem um distúrbio genético que os limitam por natureza.
A história percorre o período de 12 anos em que a seleção brasileira de futebol logrou seu tetracampeonato, sempre decepcionando nas partidas finais. Acompanhamos a empolgação e preocupação de Roberto (Marcos Veras) durante o nascimento de seu primeiro filho, Fabrício (Pedro Vinícius). O garoto nasceu em 1982, no dia do jogo entre Brasil e Itália. A despeito de ser considerada uma das melhores partidas de futebol da história em uma Copa do Mundo, o Brasil foi eliminado por 3 a 2 graças ao fenômeno italiano de Paolo Rossi, que emplacou três maravilhosos gols na defesa brasileira. Já iniciando com este singelo e eficiente simbolismo, e como veremos no filme, tanto a empolgação inocente de Fabrício quanto a decepção crescente de Roberto criarão essa sensação bipolar da realidade, onde para Roberto ter um “filho defeituoso” foi a pior coisa que aconteceu em sua vida.
Em uma época onde o politicamente correto era mais “elástico”, usar termos como mongolismo para referenciar a síndrome era comum até entre os médicos. Seguindo essa mesma onda de comportamento, enquanto para o espectador choca ver um pai irradiar felicidade ao descobrir que os portadores de Down possuem a vida curta, é preciso lembrar que eram outros tempos. E quem ajuda muito bem a pontuar o tempo é uma direção de arte extremamente competente em situar-nos em cada época, alterando sutilmente os modelos de automóveis em voga, assim como o avanço tecnológico, ambos gerando uma sensação de saudosismo (pelo menos entre os espectadores mais velhos, ou um pouco mais velhos, onde me incluo).
No entanto, apesar de tanto aspectos técnicos positivos, o trabalho do roteirista Leonardo Levis em adaptar o romance de Tezza empaca no convencional, e da pior maneira: patinando nos mesmos temas. Dessa forma, embora possamos sentir os anos passarem – de Copa em Copa – e a sensação de marasmo de Roberto ser um indicativo importante de que há um “problema” a ser resolvido (de nome Fabrício), para o espectador o tempo parece andar em marcha lenta, pois há poucos evento novos ocorrendo.
Em determinado momento vemos Roberto bebendo e papeando com seus amigos em “Floripa”, além de ter arrumado uma amante, se tornando uma cria estereotipada do famoso escritor boêmio Charles Bukowski (porém, diferente do polêmico autor, incluindo versos inquietos mas carentes de significados). Em outro momento vemos a mesma coisa acontecendo, e de novo, e de novo. Quando em Curitiba, com a família, podemos notar a relação se desgastando aos poucos, mas se trata de um trabalho mais de operar pelo cansaço do que uma história que de fato nos leve a concluir que é necessário um longa-metragem para isso.
Para piorar, a interpretação de Marcos Veras, acostumado à comédia, beira cacoetes – cabeça cabisbaixa, o mau humor crônico, a impaciência – que parecem esconder sua habilidade com o drama. Mas não sejamos injustos: ainda assim, é um trabalho competente, pois não estraga um personagem que já não tem muito a oferecer desde o início, no papel. E por falar em oferecer, a (inexistente no romance) personagem de Débora Falabella, Cláudia, é uma mãe típica, que ama seu filho incondicionalmente, e parece por boa parte do filme não entender por que o marido se tornou uma pessoa rude e inquieta perante o fardo de cuidar de um filho que nunca irá sair de seu ninho. Falabella se esconde neste clichê, exceto por um momento-chave, já no terceiro ato, onde mostra a que veio.
E por outro lado, Pedro Vinícius, que faz o garoto Fabrício, não pode oferecer mais do que lhe é fornecido pelo roteiro, que parece se encaixar em torno das situações montadas para criar um personagem a partir de um ator com Síndrome de Down. Este pode até ter sido um trabalho de paciência e dedicação da equipe em conseguir extrair um pouco de interpretação de Pedro, ou pelo menos fingir situações interessantes para o drama, mas o resultado final soa apagado demais, pois pouco conseguimos ver de Fabrício. O que é visto é interessante, e enriquece não apenas o garoto, mas seu próprio pai (as duas sequências finais apenas com os dois, uma tensa e outra divertida e emocionante, demonstram como o filme poderia ser muito melhor).
Porém, o mais decepcionante para mim é ver uma trilha convencional do começo ao fim dos irmãos Garbato, que nesse mesmo ano criaram os surpreendentes efeitos sonoros e musicais no excelente O Silêncio do Céu. Se em O Silêncio havia toda uma criação rebuscada em torno da inquietação de seus personagens e dos sons do ambiente, aqui a orquestra realiza os passos de um drama genérico mecanicamente, sem alma e sem ritmo.
O Filho Eterno, enfim, não é um filme ruim por si só. Ele possui momentos interessante, mas que nunca chegam a impactar em nossa memória. É daqueles filmes que saímos da sala entendendo o conceito, sua estrutura, mas nunca maravilhados. Alguns talvez até saiam emocionados, pelo filme tratar de uma criança com um problema congênito, mas será apenas pelo seu estado, e não pela sua história.
“O Filho Eterno” (Brazil, 2016), escrito por Leonardo Levis, Cristovão Tezza, dirigido por Paulo Machline, com Débora Falabella, Marcos Veras, Pedro Vinícius