O Grito | Quando o susto estraga


Existe um filme dentro do novo O Grito que talvez tenha sido desperdiçado por certas obrigações estéticas e preguiçosas do gênero. Um filme sobre esquecimento, sobre dor, sobre medos, mas não sobre alguns sustos baratos.

O filme é assinado pelo jovem cineasta Nicolas Pesce, que vem de dois filmes que parecem aceitar muito melhor suas personalidades, Os Olhos da Minha Mãe e Piercing. Ambos pequenos, íntimos e sobre personagens até mais do que sobre histórias. O Grito poderia estar nessa lista.

Isso não eximiria essa espécie de reboot da série japonesa, apenas aproveitaria a ideia para fazer um filme de terror diferente. E os fãs do gênero mereceriam essa possibilidade ampla de uma história poderosa.

Nela, o primeiro contato que o espectador tem com essa mitologia é ao acompanhar Fiona Landers (Tara Westwood) deixando para trás a casa mal-assombrada no Japão e levar para os Estados Unidos essa força fanstasmagórica. Logo de cara, Pesce apela para o susto clássico da série. Algo que é completamente impedido de acontecer graças a incapacidade dos montadores Ken Blackwell e Gardner Gould de “captar” o ritmo. O resultado é um susto lento. E a prova de que O Grito não precisaria disso para funcionar.

Essa falha técnica se repete durante o filme inteiro, e o único susto realmente genuíno do filme acontece através de um truque de câmera do diretor (no quarto, com a criança). Mas a história do filme não precisa de nada disso, ela pula para frente no tempo para acompanhar a Detetive Muldoon (Andrea Riseborough) em meio a investigação de um corpo encontrado na floresta que a leva de encontro à história da família Landers e ainda dos Spencers (John Cho e Betty Gilpin) e do casal de idosos vividos por Frankie Faison e Lin Shaye.

O novo O Grito não está confortável com uma mesma história, mas sim com um mesmo sentimento, com esse resquício de raiva que fica grudado na casa e nas pessoas sugando suas emoções e se alimentando de suas dores. Cada grupo de personagens tem suas questões mal resolvidas e elas são aproveitadas por essa força oculta. E quanto mais a trama chega perto do clímax emocional de cada núcleo, mais fica clara a intenção de Pesce de criar esse pequeno e poderoso filme de terror.

Mas cada vez que O Grito anda mais para dentro desse clima cheio de personalidade, sempre parece ser interrompido por um susto mecânico e com volume mais alto. Curiosamente, o próprio Pesce prova o contrário e deixa claro o filme que poderia fazer usando composições de cena, aparições sutis e o clima como combustível para a dramaticidade de seu filme. Pesce está interessado no drama de seus personagens e no quanto seus sentimentos se intercalam com o véu de terror que paira sobre a história.

Esse clima é incrível, principalmente no modo como desenvolve o arco do velho casal vivido por Shaye e Faison, que envolve ainda a presença da sempre ótimo Jacki Weaver. É provavelmente nesse nível de sensibilidade que Pesce está mais interessado, nesses personagens esmagados pelo clima e não correndo de fantasmas. Na outra ponta, Demián Bichir surge igualmente ótimo e puxando um arco que seria poderoso se não acabasse jogado em um canto e sem ter a menor importância dentro da trama. Um enorme desperdício.

Mas, no final das contas, todo mundo (menos o Bichir) levam um susto com o fantasma, ao mesmo tempo que aquele “grunhido quebrado” continua sendo assustador e não precisaria de nenhuma garotinha com o cabelo na cara para assustar ninguém.

Os personagens do novo O Grito fazem por merecer esse cuidado do diretor, vivem terrores reais e você vai poder pensar sobre isso depois do final explosivo que poderia servir para “quebrar o clima” e criar um filmão de terror, mas tudo isso é sobrepujado por um corte mal feito, um fantasma sem personalidade e um acorde que grita alto o suficiente para o gênero lembrar o quanto ele também mereceria algo melhor e mais interessante.


“The Grudge” (EUA, 2019); escrito por Nicolas Pesce e Jeff Buhler; dirigido por Nicolas Pesce; com Tara Westwood, Zoe Fish, Andrea Risenborough, Demián Bichir, John Cho, Betty Gilpin, Lin Shaye, Jacki Weaver, Frankie Faison e William Sadler


Trailer do Filme: O Grito

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