O Ídolo possui um começo dinâmico e tocante, mas não parece usar isso ao seu favor no resto do tempo. Aposta em uma catarse fácil que já vemos na televisão e em vídeos do YouTube. O que acaba fazendo, então, é apenas dar uma cara e uma atuação para mais um personagem da vida real.
Porém, pior que isso é usar esse personagem como herói. Por ter uma boa voz e uma boa vontade. A voz ele herda da genética (e um pouco do seu teimoso instrutor de canto), e a boa vontade herda da sua irmã, que possui uma energia admirável. Ela não é apenas uma otimista, mas um ser humano que possui uma visão clara do que é capaz se tentar muito, e tirar do seu caminho tudo que não a ajudar, como uma insuficiência renal e até um possível namoradinho. Diz ela: “eu não tenho tempo para isso”. Ela tem 12 anos no máximo. E é interpretada por Hiba Attalah com uma intensidade admirável.
Essa intensidade com que Attalah personifica a imagem da irmã do talentoso Assaf, a urgência daquelas crianças em tentar sair de Gaza a todo custo e o dinamismo do diretor Hany Abu-Assad (Paradise Now) confirmam a importância dessa parte tocante e trágica do filme em todo seu resto, quando, em um piscar de olhos, o jovem Assaf (Kais Attalah) dá lugar a um adulto Assaf (Tawfeek Barhom) e o remorso de ter tido cortado o seu sonho o faz reavaliar sua infância com a irmã e seus amigos e tentar seguir em frente, como se estivesse dormindo durante todo esse tempo. A montagem é uma poderosa arma de O Ídolo.
O que não quer dizer que seu roteiro seja. Escrito pelo próprio Hany Abu-Assad e Sameh Zoabi, a história gira em torno daqueles casos do programa televisivo de talentos. O cantor (que você já imagina quem é, e até qual programa de TV estamos falando, graças ao título do filme), além de ter uma voz impressionantemente linda (e ela é usada pelo menos uma vez como arma de manipulação, algo lindo de se ver), possui um passado marcante. E, como se isso não bastasse, ele mora em Gaza, o que o coloca na lista de heróis sobreviventes, muito embora não vejamos muito da violência ou do terror ou do risco de se morar na fronteira fortemente murada (e fuzilada) entre Israel e Palestina.
O interessante é que a premissa é poderosa o suficiente para resultar em um filme impactante. Porém, nada parece funcionar muito bem no agitado terceiro ato. O Assaf adulto carrega uma visão um pouco amarga do mundo, e não é por acaso. Um acontecimento traumático em seu passado faz com que ele suspenda seu sonho, talvez para sempre, e todos nós entendemos esse trauma em sua vida, tanto que torcemos pelo personagem.
Mas não é o suficiente. A história de O Ídolo caminha por caminhos corretos e mantém uma tensão graças às ótimas direção, edição e trilha sonora. Porém, o suspense é perdido logo no começo. Quando é feita uma transição no final entre ficção e vida real (talvez uma tendência nos filmes biográficos de hoje em dia, vide Snowden), ela quase não funciona (ou demora para funcionar). O personagem do presente não é tão rico (em facetas) como o filme imagina; apenas seu passado e sua história.
“Ya tayr el tayer” (Pal, 2015), escrito por Hany Abu-Assad e Sameh Zoabi, dirigido por Hany Abu-Assad, com Tawfeek Barhom, Kais Attalah, Hiba Attalah, Ahmad Qasem, Abdel Kareem Barakeh