É muito comum fãs de quadrinhos e livros ficarem ansiosos em ver o resultado das histórias retratadas nesses formatos transpostas para o cinema. E o resultado que mais os agrada geralmente é o mais fidedigno ao conteúdo original. Pois bem: eis que surge este O Jovem Karl Marx, que direto dos livros de escola, retrata um período da História de maneira formal e burocrática, o que não é um defeito se você gostar de História, economia, política ou até filosofia.
O filme retrata os primeiros anos de criação do escritor Karl Marx (August Diehl), assim como o princípio da duradoura e vital amizade com Friedrich Engels (Stefan Konarske). No reencontro pessoal entre os dois um elogia o trabalho do outro, no que lembra uma bajulação mútua. Não é uma forma muito positiva de demonstrar que ambos se tornaram amigos massageando o ego um do outro.
No começo do filme há um letreiro que indica o momento histórico em que se passam esses eventos. Basicamente aristocracia absolutista mais Revolução Industrial igual a camponeses se tornando uma nova classe de trabalhadores na cidade: o proletariado. O surgimento de Karl Marx no cenário de pensadores, de acordo com o letreiro, irá culminar em suas teorias a respeito do capitalismo, luta de classes, relação de exploração e, ainda de acordo com o letreiro, “mudar o mundo para sempre”. Este não é um exagero se considerarmos todos os volumes de O Capital, mas é um exagero no filme se considerarmos que a história nele acaba antes mesmo de Marx pensar em escrever seu primeiro volume de sua obra magna.
O que temos, então, é de fato o que o título do filme afirma. Este Marx ainda é jovem e ingênuo. Mas foi através de sua mente na época, vivendo o início da Revolução Industrial, que ele irá obter a matéria prima para seus pensamentos posteriores, além da influência de seus contemporâneos. E há vários deles.
Era um momento de fervura intelectual, com diferentes lados tentando interpretar o que estava acontecendo nas cidades. Vemos aparições mais ou menos relevantes na história dos anarquistas como Proudhon e Bakunin (aliás, um Bakunin politicamente correto, que aparentemente até tomava banho). Vemos a Liga dos Justos, o grupo que se formou entre essas vozes dissidentes que irá dar origem à Liga Comunista. Vemos todos os detalhes e referências abundantemente documentadas em livros de História.
A única coisa que não vemos é algo de novo. Exceto, talvez, a visão de um Karl Marx mais humano, menos idealizado, com esposa, fazendo sexo, tendo filhos, fumando charutos baratos e sendo sustentado pelo seu melhor amigo e discípulo. Porém, fora da curiosidade mundana de ver o filósofo no corpo de um ser humano, assim como o filme que veio dos quadrinhos ou dos livros, O Jovem Karl Marx é um retrato fidedigno do material que o precede, e portanto vazio de alma. Ele não diz nada mais do que já é conhecido, e se o diretor Raoul Peck (do documentário indicado Eu Não Sou Seu Negro) achou relevante trazer a figura à tona, é porque acredita que essa visão retrógrada da realidade aparentemente ainda faz sentido nos dias atuais, como ele bem aponta no início dos créditos finais ao fazer uma colagem de décadas ao som de Bob Dylan.
Porém, relevante ou não, o filme é vivo, caminha empolgado entre as diferentes passagens históricas de Marx e Engels, seja em sua vida pessoal ou militante. Isso torna o trabalho minimamente interessante de acompanhar, mesmo que não tenha nada de novo a dizer. É uma releitura idêntica, clássica e didática.
Pode ser até que ele informe algumas pessoas dispostas a entender o quê Marx viu quando se referia a relações de exploração, assim como Engels. Por fim, até ajudar pessoas não-habituadas a esta fase da história a entender melhor as sementes que foram responsáveis pela construção de uma das obras mais ambiciosas da literatura histórica que um único indivíduo já teve a ambição de realizar.
“Le Jeune Karl Marx” (Ale/Fra/Bel, 2017), escrito por Pascal Bonitzer, Raoul Peck, Pierre Hodgson, dirigido por Raoul Peck, com August Diehl, Stefan Konarske, Vicky Krieps, Olivier Gourmet, Hannah Steele