[dropcap]A[/dropcap]ssim como é importante celebrar o esforço de uma obra em tentar “levantar” um gênero rejeitado como o terror, também é preciso entender o que realmente está acontecendo, afinal, o Brasil tem capacidade para fazer coisa bem melhor que O Juízo. Mas o esforço é sempre válido.
E nesse caso é preciso validar ainda mais o trabalho de Andrucha Waddington na direção e Fernanda Torres, afinal, só os nomes dos dois já fez com o filme se tornasse um daqueles exemplos onde o terror sai do circuito marginalizado e chega à um número gigante de salas, é discutido nos programas da Globo (que é a distribuidora) e ainda consegue contar com um elenco de ponta. Tudo bem, isso tudo para o resultado ser fraquinho, mas a gente precisa valorizar o esforço!
No filme, sai o Hotel Overlook (e todas partes boas) e entra uma casa no meio do mais absoluto nada em algum lugar que parece ser o interior de Minas Gerais. Uma casa enorme que no prólogo serve de abrigo de uma noite para um “negro fujão” e sua filha, mas que são traídos pelo dono da fazenda e acabam mortos. A ação corta para alguns séculos depois e uma família herdando aquele terreno, e como a gente já sabe, “muito trabalho e pouca diversão, fazem de Jack um garoto entediado”.
Sim, O Juízo poderia pagar royalties para Stephen King e isso não seria um exagero. E isso não chega a ser um problema, já que trama anda bem, Felipe Camargo faz um pai eficiente e consegue equilibrar bem o mergulha na loucura, mas talvez falte, justamente, um pouco dessa loucura. Resumindo, falta terror. Nem que fosse um susto aqui e outro ali.
A impressão é que Waddington foge de tudo aquilo que mais faz o terror ser um gênero apaixonante. O clima escuro parece ser a única decisão que corrobora com a ideia de um filme que provocaria medo, mas do escuro só surge o tédio. Acontece pouco em O Juízo.
É lógico que a presença acertada do cantor Criolo na pele do tal escravo que acaba dando as caras para a nova geração entrega uma força incrível e uma musicalidade aos diálogos que realmente constroem um personagem interessante, mas ele estar em cena não parece ser algo maior do que é. Mas se levarmos em conta que ele é um fantasma à la A Outra Volta do Parafuso, perambulando por aí, falta sua silhueta entrar naquele cantinho da janela ou atrás da porta. Como eu disse, falta terror, não clima, mas sim aquele pulo na cadeira ou aquela impressão de que você não gostaria de estar ali.
E citar a obra de Henry James talvez seja covardia, já que O Juízo está mais para um Terror em Amityvile comum, mas com um fundo movido pela cobiça e não por alguns fantasmas. E lógico, o caminho para isso, assim como o de Jack Torrance em O Iluminado, é através da bebida, mas aqui a “branquinha” parece surgir meio artificial, mais para lembrar um erro do passado, que não é muito aprofundado, assim como a tipoia do personagem (que some sem dar lembranças), do que como o combustível para a tragédia.
E Waddington parece tão preocupado em “pegar leve” que esquece de “organizar” o tabuleiro. Uma arma surge de lugar nenhum, o filho é enxergado pela médium, mas não estava morto (sim, foi um spoiler) e não existe esforço nenhum para esconder que o personagem de Lima Duarte não é aquilo que parece. Enfim, tudo ruma para um fim óbvio e que você acaba não se importando, até porque a tragédia poderia ser obviamente resolvida de modo menos melodramático.
Mas o que importa é que O Juízo tenta. Não consegue, mas tenta, leva o gênero para o topo do cinema nacional e ainda consegue arrastar a Fernanda Montenegro (que é sogra do diretor) para um papel pequeno, mas que faz a o ingresso valer a pena. Um esforço que valoriza o gênero e fortalece ainda mais o cinema de terror, já que nem só de filmes impecáveis vive um tipo de filme, é preciso ter gente indo buscar um público de fora para dentro das entranhas do medo, dos fantasmas e das sombras, e isso O Juízo faz com louvor.
“O Juízo” (Bra, 2019), escrito por Fernanda Torres, dirigido por Andrucha Waddington, com Felipe Camargo, Carol Castro, Joaquim Torres Waddington, Criolo, Fernanda Montenegro, Fernando Eiras e Lima Duarte.
1 Comentário. Deixe novo
Adorei o filme!!!!