Crítica do filme O Mistério da Ilha

O Mistério da Ilha | “Queridinha”

O Mistério da Ilha não deveria se chamar O Mistério da Ilha. Em inglês, seu nome original “Sweetheart” poderia se transformar no Brasil em “Queridinha”. Tudo bem, um nome esquisito para um filme de terror, mas a intenção é essa mesma e o nome não poderia ser melhor.

O filme é escrito por Alex Theurer, Alex Hyner e pelo diretor J.D. Dillard, e usa uma clássica “história de monstro” para tentar falar sobre muito mais coisas do que um mistério em uma ilha. Mas tudo bem, o pontapé inicial tem isso em mente, portanto é possível perdoar o equívoco do título e curtir o clima.

A história começa com Jenn (Kiersey Clemons), acordando de um naufrágio em uma minúscula ilha deserta no meio do mais absoluto nada. Jenn encontra seu amigo morto, mas logo mais, à noite, descobre que não está sozinha na ilha. O que surge do mar é um monstro meio humanoide que, não só rouba o corpo do amigo de Jenn, como ainda parece ter a intenção de fazer dela sua próxima refeição.

O que vem inicialmente na sequência é uma espécie de “survivor horror” onde Jenn precisa, simplesmente, sobreviver. Noite após noite fugindo, se escondendo e ainda criando uma dinâmica onde ela reforça a ideia de não permanecer apenas esperando para se tornar a próxima vítima desse monstro.

Dillard não esconde a sua intenção de fazer um filme de terror simples sobre um monstro e sua vítima. O visual funciona perfeitamente bem, os sustos surgem no tempo correto e, principalmente, não perde nunca a intenção de explorar esse monstro e seu visual. Algo meio aquático, grande e ágil o suficiente para ser um perigo real e funcional.

É lógico que toda essa tensão já poderia funcionar em uma ideia ao estilo Predador, mas O Mistério da Ilha tem mais do que isso em uma camada logo perto da superfície. É onde entra a “Queridinha”. E com isso, surgem alguns spoilers.

Jenn fica sozinha com seu predador por alguns dias, até que surge na praia seu namorado Lucas (Emory Cohen) e a amiga, Mia (Hanna Mangan Lawrence), ambos sobreviventes graças um bote salva-vidas. A chegada dos dois expõe um outro monstro para Lenn, um que não vem do mar, mas quase sempre do mundo onde vivemos.

Lucas e Mia são o retrato tóxico de uma amizade que faz de tudo para diminuir Jenn. Enquanto ela explica sobre o monstro, nenhum dois não só não acreditam, como ignoram suas dores e têm a certeza absoluta de que sabem o que é melhor para ela, mesmo tendo chegado na ilha a pouco mais de alguns minutos. Luca e Mia são a representatividade da impressão de superioridade que certas camadas da sociedade não têm nenhuma vergonha de expor. Em outro momento, ambos deixam isso claro quando Lucas afirma que Jenn precisa obedecê-lo, já que tudo que ela tem foi comprado e dado por ele.

O desdém com que ambos tratam Jenn recorre ainda a algum caso no passado onde ela mentiu em uma situação. O nível de “maluquice de classe média branca” dos dois é tão grande que conseguem distorcer a situação até colocar a culpa do naufrágio na própria Jenn. Mesmo que um aparente assassinato cometido pelo dois antes de chegar à ilha seja completamente ignorado.

Como em um bom filme de terror com cérebro, o destino dos dois é virar janta do monstro, um resultado mais que merecido e que você torce na ponta do sofá, principalmente no monte de vezes que Lucas chama Jenn de “queridinha”, como se tentasse coloca-la “no lugar dela”.

Mas o lugar de Jenn é escrevendo sua própria história, esquecendo quem tenta brecar seu caminho, enfrentando o verdadeiro monstro de frente e, se preciso for, colocando fogo na ilha inteira para provar seu ponto de vista. E se ninguém acreditar nela, tudo bem, ela vai arrancar a cabeça do monstro e mostrar como prova.

Não existe mistério nessa ilha, mas sim uma heroína negra que precisa descobrir que os monstros aquáticos vindos de buracos negros não são os únicos monstros que colocam sua vida em risco, seja no meio do nada, seja em qualquer lugar do mundo.


“Sweetheart” (EUA, 2019); escrito por J.D.Hyner, Alex Hyner e Alex Theurer; dirigido por J.D. Dillard; com Kiersey Clemons, Emory Cohen, Andrew Crawford, Hanna Mangan Lawrence e Benedict Samuel


Trailer do Filme: O Mistério da Ilha

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