OMotorista de Táxi é um filme feito para grandes públicos, mesmo com cenas fortes, mas necessárias, pela frente. Em troca há doçura, aventura, emoções fáceis que estão meticulosamente manipuladas para aquele espectador que vai sair do cinema pensativo, mas realizado.
Isso porque a história, baseada em fatos, consegue entregar uma conclusão onde não há. Aliás, o próprio tema, mal utilizado, poderia convergir para um universo mais realista e mais próximo do radicalismo político e suas pesadas conseqüências. Como os dias de hoje.
Ou até a própria história da outra Coreia, a do Norte. Sabe aquela que deu errado, e continua dando errado? Nada disso. Aqui estamos no Sul, já completamente alienada de sua irmã radical, e a morte de um ditador dá origem ao processo de preenchimento de um vácuo de poder com outra ditadura. Os universitários, já educados o suficiente, vão às ruas protestar. Repórteres, locais ou internacionais, estão proibidos de pisar nas regiões mais quentes do conflito entre população e as irracionais forças do Estado.
E é nesse momento que um taxista acidental irá brilhar perante a História.
O grande público adora isso. A moral emerge das pessoas mais simples. Elas são massacradas pelo sistema, mas ainda assim descobrem no caminho a fazer a coisa certa. E ninguém mais alheio aos protestos de manifestantes que um velho taxista viúvo, quebrado financeiramente e tendo que sustentar sua pequena filha com os esparsos trocados que consegue de uma população que não tem mais dinheiro rodando em ruas que já não possuem mais segurança.
E, apesar de tudo, ele começa o filme rindo. Cantando. Ele gosta de música. Anotado. Isso será interessante mais pra frente. E durante o filme, note como a trilha sonora convencional tenta arrancar emoção do espectador à força. Lembra um filme antigo de fato, e não um atual que nos leva para 1980.
Nosso amigo taxista não entende a falta de cuidado das pessoas, correndo pelas ruas sitiadas de Seul, fugindo do exército e suas bombas de gás. E fazendo ele quebrar seu retrovisor. Há violência, mas não muita. Iniciamos o filme sem armas de fogo, de ambos os lados. Isso também é importante. Vamos anotar.
A impressão inicial de nosso amigo taxista é que ele parece não se importar com as pessoas. Quer apenas conseguir pagar o aluguel atrasado para poder dar um sermão no filho da senhoria, que frequentemente provoca sua filha. Mas o vemos ajudando, meio a contragosto, uma grávida a chegar ao hospital.
Quando ele encontra seu passageiro especial, um repórter alemão que resolve ir até o epicentro das revoltas em Gwangju, uma cidade fechada pelo exército, ambos começam um relacionamento conturbado que irá colocar à prova o que acreditamos sobre o caráter desse taxista. Também irá aparentemente nos inspirar pelo espírito de comunidade, que dá gasolina “de graça” para a frota local de taxistas. Eles se revoltam com a ganância de um pai que precisa voltar para rever sua filha. O uso dos idiomas inglês e coreano também aponta para o que está acontecendo todo o tempo no filme: seus personagens não conseguem comunicar seus valores facilmente. Você precisa entender que há uma luta ideológica acontecendo, e não apenas um taxista tentando ganhar seu dia.
Mas o inevitável ocorre: ele se envolve demais. E o repórter alemão comunica seus valores para o taxista coreano através de ações, não palavras. Ambos, aliás. Enquanto o repórter filma tudo que vê, não importa o caos onde a ação ocorre, o coreano quebra uma lente da câmera do repórter tentando fazer ele desistir de mostrar a verdade e ir embora pra casa.
E é quando as armas de fogo aparecem (lembra que elas não existiam?) que descobrimos o que está acontecendo: um drama político exacerbado, exagerado e maniqueísta. O que eu quero dizer com isso é que veremos vilões do governo vestindo terno, chapéu e nunca sorrindo. Soldados irão atirar em civis, e civis irão cair da maneira mais espalhafatosa possível. Em câmera lenta. Os taxistas vão se unir em uma perseguição impossível, e até pequenos milagres humanos estão reservados próximos do final.
Este é um filme que acredita na luta entre o bem e o mal, pintados de cores diferentes e dispostos em dois lados distintos do tabuleiro. Infelizmente ele se recusa a apontar para o Norte, onde o mal prevaleceu e prevalece. Ele é um filme moralmente míope, que prefere olhar para o próprio umbigo e usar uma bela história que já seria eficiente se contada sem floreios. Tudo para fazer chorar. E até consegue. Mas a que custo?
“Taeksi Woonjunsa” (Kor, 2017), escrito por Yu-na Eom, dirigido por Hun Jang, com Kang-ho Song, Thomas Kretschmann, Hae-jin Yoo, Jun-yeol Ryu, Hyuk-kwon Park