Há certos momentos no cinema que não precisam ser descritos, discutidos ou escutados, mas sim apenas apreciados. O Passado, novo filme do diretor iraniano Asghar Farhadi, de A Separação é um desses momentos.
E assim como seu último e premiado filme (A Separação) faz isso por contar uma história humana e sobre pessoas. Nada de esforços melodramáticos e reviravoltas arquitetadas, apenas uma história sobre essa mulher, Marie (Bérénice Bejo, que você provavelmente conhece de seu ótimo trabalho em O Artista), seu atual namorado, Samir (Tahar Rahim, do ótimo O Profeta) e ex-marido Ahmed (Ali Mosaffa), que volta para Paris para assinar os documentos de separação.
O importante é que a história não é sobre esse triangulo amoroso, que nem por um segundo chega a existir, mas sim, principalmente sobre o que os levou até aquele momento. Justamente sobre seus passados, sobre como encará-los, vecê-los e se permitir mover em frente. E é ai que o filme de Farhadi dá um show de sensibilidade e delicadeza, sem precisar julgar ou questionar seu personagens, apenas observando toda dor de ter que continuar sem olhar para trás.
E ainda que continue econômico e preciso em suas opções estéticas, Farhadi agora parece conseguir transitar perfeitamente bem em direção a um cinema muito mais ocidentalizado. Não no sentido depreciativo, mas sim se permitindo um ritmo muito mais dinâmico e fácil de ser digerido pelo grande público. O Passado celebra menos a contemplação do plano e aposta mais nos diálogos e na rapidez dos acontecimentos. O que não diminui o trabalho do diretor, mas mostra uma enorme sensibilidade diante do que seu filme necessita.
O Passado não é imediatista, mas não esconde ser sobre o presente. Sobre a tentativa dessa mulher de começar uma nova vida, uma que passe pela obrigação de se desligar daquele que parece ter sido seu grande amor. Assim como na tentativa de seu novo namorado de se desprender da ex-esposa, internada em estado vegetativo. E é justamente a chegada de Ahmed que joga de volta à tona todos esses problemas, principalmente por ser o único em paz com tudo que tenha passado.
Farhadi, que também assina o roteiro, de modo inteligente, preciso, complexo e muito bem construído, cria essa situação onde a presença dos dois ex-companheiros na vida do novo casal sirvam para objetivos completamente diferentes. E entre esses objetivos está, justamente, encarar o que realmente sentem e como conseguirão ultrapassar um monte de obstáculos que eles próprios construíram. O Passado então, habilmente, cria uma situação movida por uma mentira, transformando tudo em uma discussão sobre até onde cada um é culpado por seus erros e pode apontar os equívocos dos outros.
Uma discussão silenciosa e dolorida, onde os diálogos as vezes se dão por meio de vidros e nenhum dos dois lados consegue se entender, mesmo sendo óbvios. Observando-os através dos detalhes e não simplesmente escutando seus sons. Encarando essa falta de comunicação e onde ela pode levar ou impedir de ser levada.
E conseguir ter tudo isso, todos esses lados, questionamentos e camadas é para tão poucos filmes, que faz de O Passado uma opção obrigatória.
“Le Passé” (Fra/Ita/Ira, 2013), escrito e dirigido por Asghar Farhadi, com Bérénice Bejo, Tahar Rahim, Ali Mosaffa, Pauline Burlet, Alyes Aguis e Babk Karimi