Muitas vezes entrar no cinema esperando algo e encontrar exatamente isso é uma dádiva, que acontece pouco é verdade, mas quando acontece é uma experiência incrível. Entrar no cinema para ver O Segredo das Águas em busca de um lento, demorado e pensativo filme japonês é tudo que certos espectadores querem. E conseguem.
Dirigido pela diretora Naomi kawase, o filme dialoga com um tom mais “artístico” do cinema (por mais que eu odeie essa expressão) e se perde (no bom sentido) no significado de grandes planos observando o mar revolto, a natureza e as expressões. Mas isso para contar uma história sobre dor, separação, perdas e superações.
O ponto de partida é um corpo desconhecido deixado pelo mar em uma noite de ressaca e lua cheia. Mas logo essa mesma história toma seu verdadeiro rumo, sobre esse casal de jovens que vivem nessa ilha japonesa e a relação próxima entre eles. Ambos com problemas familiares, mas com formas completamente diferentes de encararem isso.
De um lado o menino vindo de um lar quebrado e vivendo com a mãe enquanto sofre e coloca a culpa nela da separação com o pai. Um caminho onde num conflito interno ele precisa enfrentar essa indignação sem entender nem por onde começar com isso. Um bloqueio que acaba refletindo em seu relacionamento com a melhor amiga e um amor que parece crescer entre os dois.
Do outro lado, ela precisa lidar com a provável perda da mãe doente, mas fazendo isso com a leveza e força de entender que aquilo pode ser apenas um detalhe, a ida do corpo material, mas a presença eterna da lembrança e da saudades. Não de modo ruim, muito pelo contrário, do colo, dos momentos ternos e do riso.
Dois lados de uma mesma moeda. Dois caminhos para se tomar diante da perda. E um monte de planos longos, lentos e belos para deixar o cinema pensar sobre o assunto.
O Segredo das Águas, como se espera, é então sensível, e tem muita coisa para ser discutido e interpretado, mas lá para as tantas não consegue seguir esse rumo e despenca em um conflito frágil para fechar o arco do protagonista e dar a ele uma lição que soa frágil diante da beleza do arco de sua companheira de cena. Uma melodrama que não combina com o resto do filme, ainda que seja a única parte palpável e concreta, o que diminui a experiência de quem entrou no cinema em busca de algum tipo de abstração.
De qualquer modo, O Segredo das Águas funciona para quem busca significado além daquela árvore, da onda, do bode sendo sacrificado, da tempestade e da lagrima que escorre para se despedir. Para quem procura algo além do que está na tela e carrega consigo mais que imagens em movimento assim que a luz do cinema acende.
“Futatsume no Mado” (Jap, 2014), escrito e dirigido por Naomi Kawase, com Nijirô Murakami, Jun Yoshinaga, Miyuki Matsuda, tetta Sugimoto, Makiko Watanabe, Jun Murakami
Trailer – O Segredo das Àguas
*CinemAqui foi convidado pelo Cine Roxy para cobrir a Itinerância