[dropcap]P[/dropcap]or mais que quase nunca seja divertido ser enganado por um filme sem que isso tenha muita razão, às vezes isso funciona. O Silêncio do Pântano te engane, e talvez isso acabe sendo um pequeno spoiler, mas o que importa mesmo ali é a jornada, não o final.
O filme é a adaptação do livro de Juanjo Braulio e dirigido por Marc Vigil. O objetivo é claro, acompanhar esse escritor, Q (Pedro Alonso), enquanto escreve uma segunda obra sobre esse personagem que constrói uma carreira de serial killer. Por que ele faz isso? O próprio escritor responde em uma tarde de autógrafos: “porque ele pode”.
A questão principal é que talvez Q e seu personagem compartilhem dessa sensação de poder. Após uma corrida de taxi com um motorista insuportável, Q (ou seu personagem), assassinam friamente o motorista. Mas você não vai saber se isso é realidade ou ficção, talvez nem Q saiba, e isso pouco importa.
Seu segundo livro envolve o sequestro e assassinato de um economista envolvido em uma rede de corrupções que sustenta a cidade de Valencia, na Espanha. Mas Q (ou seu personagem), acabam ficando no meio de uma trama movida pelo sumiço do economista e as reações, tantos das autoridades, quanto da chefe do crime organizado na cidade.
O roteiro de Carlos de Pando e Sara Antuña (e talvez o livro, realmente não sei) então tomam a acertada decisão de deixar Q de lado e tentar entender como toda essa dinâmica funciona. Como se aceitassem a existência de um narrador onipresente, que voa para longe do protagonista e acompanha, principalmente, esse assassino, Falconetti (Nacho Fresneda), enquanto tenta sondar onde foi parar o economista sequestrado, ou possivelmente até fugido.
Esse narrador não se prende a lugar nenhum, não tem uma âncora narrativa e parece até esquecer Q (ou seu personagem), mas isso de modo tão conveniente e preciso que é fácil enxergar nele um narrador não confiável.
A verdade é que Faloconetti é um personagem incrível e, o que parece ser uma trama paralela que ignora a presença de Q, é substancial o suficiente para que o filme (ou o livro) passe a ser sobre ela sem perder nenhum interesse do espectador.
Portanto, não exista dica ou preocupação para trazer o espectador para dentro da trama ou tirá-lo dela com a certeza de aquilo ser um livro. Não importa, só importa a história e tirar você dela seria uma pena para um andamento tão correto e funcional.
Já a direção de Vigil menos ainda se preocupa com essa sensação de realidade ou ficção, tudo parece ser feito com a mesma preocupação estética. O Silêncio do Pântano é então essa experiência visualmente bonita e que tem um ritmo lento em suas imagens, não existe a vontade de criar um filme moderno e entrecortado, mas sim um que tenha uma velocidade apropriada e que ainda e que ainda valoriza os toques mais acelerados.
Talvez O Silêncio do Pântano não seja sobre o que está acontecendo, mas sim sobre como aquilo ficaria bem um livro. Seu espectador irá ficar perdido entre o que é ou não real, mas logo irá perceber que tudo é real, tudo está ali, então não importa se aquelas são páginas de um novo romance ou um delírio de um escritor, aquilo é só o que você tem, e aquilo é o que é real para você. Quem sabe até real para Q ou para seu personagem, independente quais deles sejam os verdadeiros narradores dessa história.
“El Silencio del Pantano” (Esp, 2019), escrito por Carlos de Pando e Sara Antuña, a partir do livro de Juanjo Braulio, dirigido por Marc Vigil, com Pedro Alonso, Nacho Fresneda, Carmina Barrios e José Ángel Egido.