Aviso aos navegantes: se você entrou em A Árvore da Vida apenas para reclamar sobre a chatice do filme para logo em seguida sair da sala nem gaste seu dinheiro com Os Belos Dias de Aranjuez. Assim como o(s) trabalho(s) de Terrence Malick, este filme de Win Wenders não busca satisfazer os princípios básicos de narrativa que estamos acostumados a acompanhar, com começo, meio e fim.
O filme sequer consegue estabelecer diálogos minimamente interessantes. Seu ponto alto é sua música inicial, exaltando o dia perfeito que virá. A partir daí, caminhamos em um degrade que converte a felicidade inicial para a música final, que afirma duas coisas que resumem muito bem este dramático, embora não trágico, longa: “a Terra está pegando fogo. E eu te amo”
A história aparentemente gira em torno de um solitário escritor que parece estar sofrendo uma crise existencial/romântica, e enxerga através dos seus únicos dois personagens dor e desconexão, mesmo que estejam em frente a um calmo, acolhedor e encantador jardim, cheio de verde e uma arrebatadora paz. Ela fala de suas experiências sexuais e suas sensações usando uma veia poética, para não dizer caótica. Ele a faz perguntas seguindo uma regra previamente estipulada entre eles, e pontualmente faz observações sobre frivolidades, além de ter para si o passeio à região de Aranjuez como particularmente marcante.
A aparente paz dessa conversa matinal que se estende pelo dia é o perfeito contraponto da história que o diretor Win Wenders pretende contar. Iniciando com uma sequência de tomadas plácidas em torno de paisagens filmadas em 3D, e aos poucos adentrando em seu palco, o filme nos apresenta pela primeira vez a sensação de estar entrando em um mundo à parte através dessa janela que é a tela de cinema. Nenhuma dessas cenas usa a mudança de foco, pois tudo está em foco, o que torna a experiência tão real quanto em seu trabalho anterior, Pina, onde encarava o palco da professora de dança como realmente é: o todo.
Porém, ao encarar seus personagens principais – ou os personagens de seu personagem principal – imediatamente eles são o foco. E mesmo em tomadas que insistem em estar em movimento de câmera, ainda que nada aconteça. Quando há um movimento entre os personagens, a câmera para. Parece que o processo de criação do escritor está tão atribulada quanto o processo do próprio Wenders. Há algo terrivelmente importante a ser dito, essa é a sensação. Porém, no seu lugar, surge apenas frases caóticas, que não conseguem definir nem a experiência narrada, nem os personagens que os dizem.
O casal é interpretado por dois atores (Reda Kateb e Sophie Semin) que constroem, como o próprio filme sugere, apenas silhuetas do que serão no futuro, depois de devidamente desenvolvidos. Por enquanto, são incógnitas repetindo os diálogos desenvolvidos em modo rascunho pelo seu criador.
E o próprio filme se assemelha a um rascunho de si mesmo. Este porre monumental com certeza irá fazer você devanear em questões de sua própria vida, questões do dia-a-dia. Nada muito chique, como por exemplo a existência da Terra. Isso ocorre exatamente porque as frases ditas pela mulher são imponentemente banais. Não se consegue extrair sentido de nada que ela diz, e o único ponto de parada são as perguntas inúteis do seu interlocutor. Esse, em um quase monólogo maçante que esmiúça a capacidade do espectador em tentar prestar atenção e não dormir.
O filme nada sutilmente usa movimentos diegéticos – sons e características geralmente externas à história que existem dentro do próprio filme – para estabelecer que este é um trabalho de metalinguagem. Principalmente o som, cuja trilha sonora vem de um jukebox da casa do escritor, mas também com um jogo de cena que usa uma pequena mesa e cadeiras em cima da mesa do escritor e alimenta o mistério do filme de uma maneira mais ou menos óbvio. Wenders, que além de dirigir também roteiriza o filme, não quer deixar nada incompleto; ele apenas não se interessa em entregar tudo de bandeja para o espectador mais preguiçoso. Há um tablet do lado da máquina de escrever. Há um de quadro do lado do jukebox que rabisca a mesma região onde se passa a história. Há espectadores usando óculos 3D aguardando entender a realidade do filme através deles.
Diante de tudo isso, ou o filme é um ledo engano a respeito da forma e conteúdo da arte e da vida, ou é um mero trote, uma brincadeira inocente de Wender, mais uma vez brincando com a tecnologia.
E se você chegou até aqui, talvez já saiba que Os Belos Dias de Aranjuez ou não é um filme para você ou é exatamente o filme que você precisa. Ele lida com esse pequeno aspecto da tecnologia que nos une: ela nos torna solitários, inertes. Só pelo fato de um filme ser feito em 3D apenas para exemplificar esse nível de apatia crescente em que a humanidade se encontra, a meu ver, é motivo de sobra para entendermos que Cinema não precisa ser usado apenas para historinhas com começo, meio e fim. Resta saber se esse trabalho de Wenders será relembrado daqui a alguns dias ou, como todas as experiências que vivemos atualmente, ser esquecido como uma bobagem pretensiosa.
“Les beaux jours d’Aranjuez” (Fra/Ale/Por, 2016), escrito por Wim Wenders, Peter Handke, dirigido por Wim Wenders, com Reda Kateb, Sophie Semin, Jens Harzer, Peter Handke, Nick Cave