Os Rejeitados | Sobre os Esquecidos

Talvez a coisa mais importante de qualquer filme seja a imersão na qual seus espectadores se perdem. É através dela que será possível grande parte da diversão e emoção de acreditar naquela história e sentir aquilo que os personagens estão sentindo. Alexander Payne é um diretor que, vez ou outra, consegue fazer isso e Os Rejeitados é, com certeza, um dos momentos onde ele chegou nisso.

Dos créditos iniciais até os finais, cada frame, personagem, cenário, iluminação e ideia, parece vinda de algum lugar do final dos anos 60. Não só por escolha visual ou uma vontade de mostrar que conseguiria fazer, mas por ter uma história para contar que se encaixa apenas naquele lugar. Uma angustia que tem data e época, por mais que ainda sejam emoções que tocarão qualquer pessoa em meio ao ano de 2024.

Talvez esse seja um dos maiores truques de Payne, essa sensação de colocar o espectador em um lugar tomado por aquele mundo e carregado para esse lugar onde aqueles personagens se tornam verdadeiros. Mais do que isso, próximos e com motivações que parecem ser tão honestas que é fácil ir com essas pessoas para onde quer que elas queiram ir.

Nesse caso talvez elas não saibam direito também, mas acreditem, aos poucos elas vão descobrir. Juntas, se levando um tempo para entender o quanto não sabiam que precisavam dos outros para entenderem eles próprios. Por mais que o que se forme seja um daqueles grupos de pessoas que não combinam entre si para se tornarem unidas. Cada uma quebrada ao seu jeito, mas com as peças faltando que, talvez, estejam em posse dessa pessoa ao lado. Os Rejeitados não é sobre “rejeitados”, mas sim sobre incompreendidos.

O título original se refere a “remanescentes”, quase como se tivesse sido deixados para trás, que é o que acontece com o professor de um internato, Paul Hunham (Paul Giamatti), que acaba responsável por um grupo de garotos que deverão ficar na escola durante o feriado de Natal e final de ano. Hunham tem pouquíssima simpatia por ninguém ou nada que não seja a obrigação de ensinar esses garotos. Para deixar tudo ainda mais complicado, o grupo de protegidos dele não é formado por nenhum santo, entre eles, Angus Tully (Dominic Sessa).

Assim como Hunham é muito mais do que apenas um professor chato, Os Rejeitados parece ser sobre o feriado com esses garotos, mas é o encontro do professor, com Angus e ainda a cozinheira da escola, Mary Lamb (Da´Vibe Joy Randolph), ainda em luto pela morte do filho no Vietnã.

Três personagens quebrados pela vida, presos em uma escola que não se importa com eles e em um mundo que está sempre à vontade para fingir que nenhum deles existe. Payne, com o roteiro de David Hemingson, vai então rumando para esse lugar com uma calma e precisão impressionantes. Quando você menos perceber, aquele filme que você achava que estava vendo se torna uma outra coisa. Algo sensível e emocionalmente poderoso para ambos os três, cada um com seu espaço, suas dores e suas pequenas e grandes felicidades. Tudo comprimido nesse pequeno e sempre melancólico período do ano.

Payne é preciso em tudo e aproveita desde cada detalhe daquele mundo, do lugar e dos personagens até esse clima, para construir essa história que está discutindo aquelas pessoas, mas não abdica de, sutilmente entender tudo que está ao redor de seus protagonistas. Sim, o professor de Giamatti pode até ser o centro da história e carregar toda história, mas Angus e Mary são quase tão importante para a jornada do filme quanto ele.

Talvez essa seja a maior força do filme, esse cuidado com seus personagens e suas jornadas. Uma delicadeza e um equilíbrio que vem com um roteiro que sabe montar esses momentos, principalmente sem sobrecarregar nem um lado, nem o outro. A alegria não vem nunca com o exagero, uma farsa que arranca um ou outro riso e não chega na gargalhada, assim como a tristeza não se permite nunca tomar tudo sem um ponto de esperança. E Os Rejeitados é sobre isso, esse caminho cheio de sentimentos e surpresas que colocam o espectador tão perto desses personagens que suas dores e felicidades contagiam qualquer espectador.

Junte isso a duas atuações absolutamente fenomenais de Paul Giamatti e Da´Vine Joy Randolph. Ambos entendendo tão bem seus personagens que o resultado é uma verdade poderosa e que dá a ambos um punhado de oportunidades, sejam sutis ou gigantescas, para serem lembrados por absolutamente qualquer premiação de cinema do ano.

Talvez Os Rejeitados não tenha o mesmo futuro, mas por razões completamente diferentes, já que exala essa força baseada em uma imersão tão poderosa e ao mesmo tempo delicada, que poderá fazer muita gente confundir isso com uma certa lentidão. Infelizmente, já que o objetivo de Payne é justamente criar esse ritmo onde é possível sentir essas emoções todas no lugar certo e no tempo certo. Sem pressa. Como os dias que parecem não passar presos nesse internato. Mas onde no final, cada um terá a oportunidade de conhecer melhor quem realmente são esses três personagens incríveis.

Um nível de imersão que vale a pena e não deveria ser nunca ignorado pelos fãs de cinema.


“The Holdovers” (EUA, 2023); escrito por David Hemingson; dirigido por Alexander Payne; com Paul Giamatti, Dominic Sessa, Da´Vibe Joy Randolph, Carrie Preston, Brady Hepner e Naheem Garcia.


Trailer do Filme – Os Rejeitados

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