Um telefone toca dentro de uma daquelas grandes casas dos subúrbios brancos e ricos dos Estados Unidos. Uma jovem com cara de inocente atende e do outro lado uma voz cavernosa começa um jogo em que o final é sempre alguns sustos e umas facadas. Em 1996 Pânico se tornou um clássico do gênero e eternizou essa cena. Mais de duas décadas depois a cena continua a funcionar no mais novo Pânico, que também funciona tão bem quanto o primeiro.
Mas é preciso abrir um parêntese aqui e lembras a todos que, mesmo com duas sequências do primeiro que desceram ladeira abaixo em termos de qualidade, o filme anterior (Pânico 4) era um acerto com tudo que a série tinha direito. Na verdade, ele já era uma espécie de “continuação legado” que funcionava. Portanto esse quinto filme acertar não é uma novidade. O novo aqui talvez seja ele acertar tanto.
O filme (quinto) é ainda o primeiro que não é assinado por seus criadores: Wes Craven e Kevin Williamson. Quem fica com a responsabilidade agora é o trio que comandou outro filme de terror recente, Casamento Sangrento, que pode ter passado despercebido para muita gente, mas é diversão garantida para os fãs do gênero. Matt Bettineli-Olpin e Tyler Gillett ficam na cadeira de diretor, enquanto Guy Busick assina o roteiro. O último ainda ganha a companha do experiente James Vanderbilt (que já assinou coisas que vão de No Cair da Noite até Zodíaco).
Desse caldo surge um filme maduro, que tem consciência do seu legado, homenageia o original e ainda entrega um slasher com absolutamente tudo que um fã gostaria. Mas não qualquer fã, já que alguns, com certeza, irão ficar bravos com a capacidade do filme de entender os novos tempos e discutir o gênero com uma precisão divertida, ácida e sem medo de ofender alguns. Verdade seja dita, um tipo de fã que vem “fazendo feio” por aí e merece ser ofendido um pouquinho.
Raivas à parte, Pânico volta à Woodsboro mais uma vez, cidadezinha onde aconteceram os assassinatos do primeiro filme, e quando acontece uma nova tentativa de assassinato (aqui as coisas já mudam!), todos começam a relacionar isso à história da cidade e à série de filmes “Stab”, que já chegou no oitavo filme, não faz mais sentido e tem até Ghostface com um lança-chamas. Pânico continua se divertindo com a ideia de discutir o slasher e suas “leis”, assim como o desgaste de ideias e até essa ideia de existir hoje um “horror elevado”. Tudo ganha tons de ridículo, mas nunca sem ser discutido de modo complexo e inteligente, o que também já é uma marca da série.
Não que “horror elevado” exista (assim como o “pós terror” não existe), mas se existisse, Pânico não estaria nessa categoria, já que ele é um puro, divertido e bem dirigido slasher. Assim como no filme anterior da dupla de diretores, sobra gore e todas mortes de personagens são valorizadas com tensão, suspense e violência. Tudo que um slasher precisa. Portanto, a maior homenagem ao recém falecido Wes Craven não é continuar sua história, mas sim conseguir levar para o cinema um resultado que fica à altura de seus melhores trabalhos na franquia.
Uma dupla de diretores que demonstram conhecer o gênero e ficam o tempo todo se divertindo enquanto enganam seus espectadores. Como se acreditassem na inteligência e bagagem de quem está do lado de cá da tela e contassem com isso para não apostar só em um “jump scare” preguiçoso, mas sim na extensão dessa situação até o limite do esperado. Os sustos continuam lá, mas em certos momentos, é melhor o suspense e um bom diálogo, portanto, surpreendendo até o espectador que têm certeza do que vai acontecer. Como na cena onde duas personagens descem até a garagem para pegar cerveja, com certeza o fã já viu isso em algum outro lugar, mas não com o mesmo resultado.
A surpresa ainda vem da sutileza com que a trama vai ligando a história atual àquela que perdura pelas sequências. Se no começo ela parece disposta a se afastar, a cada passo que ela dá dentro da história, mas perto ela vai ficando do primeiro filme. Sem forçar nenhuma barra, mas com certeza colocando os fãs dentro de um lugar que estão acostumado, mas que, decididamente, não esperavam.
Ao mesmo tempo que é novo e refresca a franquia, Pânico, mesmo sendo já o quinto filme da série, vai pegar os fãs de surpresa e leva-los para um lugar inédito. Tanto por acreditar neles, quanto por, não só discutir o gênero, mas também discutir o que (e quem) está em volta do gênero. Pânico “leva a sério seus fãs”, mas só os que merecem esse carinho. Escolhe o “melhor vilão para o filme” e demonstra que o slasher, assim como em 1996, ainda tem espaço para se revitalizar através de um cara com uma máscara de fantasma e uma faca.
“Scream” (EUA, 2022); escrito por James Vanderbilt e Guy Bucik; dirigido por Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett, com Melissa Barrera, Jack Quaid, Jenna Ortega, Courtney Cox, Neve Campbell, David Arquette, Dylan Minnette, Jasmin Savoy Brown, Mason Gooding, Mikey Madison e Sonia Ammar.