Pedro | Sobre um mundo onde não é permitido ser

Ambientado nos arredores de uma remota floresta indiana, Pedro é um trabalho sensível e cru sobre exploração, passividade e apatia. Tudo isso centrado em um homem ordinário e na falta de escolhas e oportunidades a que ele vive submetido. Em seu trabalho de estreia, o cineasta indiano Natesh Hedge faz um belíssimo trabalho ao lado de seu elenco de não-atores.

Atuando como diretor, roteirista, produtor e ainda co-montador, Hedge conta aqui um período cotidiano na vida do personagem-título, um humilde eletricista que trabalha em uma comunidade rural nas profundezas da Índia. Com toques documentais, o longa é protagonizado por Gopal Hedge, sem experiência prévia com atuação e natural daquele mesmo lugar.

Pedro é bastante apático, passivo, mas a seu próprio modo, também um homem que luta (interna e externamente) por liberdade, pelo simples direito de fazer escolhas. Esse é o principal tema da obra: o quão cruel é viver sem poder escolher os rumos de sua própria vida, dependendo da terra de outros, dos recursos de outros, das decisões de outros.

Certo dia, Pedro é chamado para aplicar pesticida em uma fazenda próxima; há uma ilusão de escolha, “Se ele quiser ir, estará de volta no dia seguinte”, mas Pedro sabe que não há realmente uma alternativa. Ele vai. Lá, é informado de que o antigo segurança da fazenda havia morrido, e é chamado para cumprir esse papel. Pedro não quer se envolver com armas, com caça, com vigilância; mas, de novo, não há uma real chance de escolha.

Um pouco mais tranquilo por pelo menos poder fazer o trabalho de vigiar os limites da fazenda ao lado de seu cachorro, Pedro cumpre sua missão durante a noite e, com medo, atira em um predador misterioso que, na verdade, era uma das vacas da fazenda. A partir daí, o que acompanhamos é a “caça” dos líderes da fazenda por Pedro, para que ele pague pelo que fez — e acompanhamos isso por meio da câmera minimalista, calma e sensível de Natesh Hedge.

Os sons são os sons ambientes, da floresta, dos rios, da chuva (presente quase o tempo inteiro), conduzidos com maestria pelo desenhista de som Shreyank Nanjappa. Sem trilha sonora ou quaisquer outros “floreios”, Pedro — o filme — mostra Pedro — o homem — em pequenos atos de “rebeldia” ou “determinação”, em que ele muito sutilmente desafia a autoridade da mãe e da esposa do irmão, com quem vive, ou mais raramente ainda, dos que comandam a fazenda. Porém, qualquer mínimo nível de desobediência já é desobediência demais aqui.

Mas Pedro os comete, porque ele não pertence àquele lugar: seja na fazenda, seja como vigia, seja dentro de sua própria casa, ele está deslocado, ele está fora do que é esperado, do que querem, do que ele “deveria” ser. Tudo o que acontece com ele depois do incidente em sua noite de vigília não é apenas consequência daquilo, mas sim tudo o que o “chefão” já não gostava em Pedro e que agora, finalmente, tem um motivo concreto.

A hierarquia ali é clara, imutável, inquestionável. Pedro escuta o tempo todo que deve evitar “criar confusão”, ali onde é tão palpável a divisão entre quem manda e quem obedece. No mundo de Pedro, não é permitido ir contra o que lhe foi ordenado e, por isso, ele tem que pagar.


“Pedro” (Ind, 2021), escrito e dirigido por Natesh Hedge; com Gopal Hegde, Ramakrishna Bhat Dundi, Raj B Shetty, Medini Kelamane e Nagaraj Hegde.


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