Ao longo de sua carreira, Alexander Payne demonstrou seu talento ao acompanhar personagens comuns em situações complexas de maneira carismática e perspicaz. Essas qualidades permanecem em Pequena Grande Vida, seu primeiro longa de ficção científica. Verdadeiramente original, a obra aproveita ao máximo sua peculiar premissa e nos apresenta a um olhar fascinante sobre o nosso próprio mundo, demonstrando o que há de melhor em nós, mas sem deixar de lado uma boa dose de ceticismo.
O aumento populacional atinge níveis cada vez mais catastróficos e, como resultado, o mundo enfrenta também uma crescente crise de comida e de energia ¿ isso sem falar, é claro, nos problemas ambientais resultantes da ação dos seres humanos. Até que um time de cientistas suecos elabora a “única solução prática, inclusiva e humana” para o problema: um processo que torna-se conhecido como “Encolhimento”, que permite que um ser humano de 1,80 m, por exemplo, possa ser reduzido até ficar com menos de 13 cm. E sem nenhum efeito colateral! No anúncio do experimento ao mundo, os cientistas revelam que a primeira colônia de “pessoas pequenas” já vive há alguns anos, em paz e prosperidade, em um canto remoto da Noruega.
Com o passar dos anos, mais e mais pessoas escolhem passar pelo Encolhimento. Nos Estados Unidos, a população logo descobriu que tornar-se pequeno permite que até mesmo as mais escassaz poupanças tornem-se verdadeiras fortunas nas comunidades criadas especialmente para quem foi encolhido, já que, é claro, o custo de vida também é significativamente reduzido. É isso o que finalmente atrai Paul Safranek (Matt Damon) e sua esposa, Audrey (Kristen Wiig) a tornaram-se pequenos ¿ ele ocupa seus dias como terapeuta ocupacional depois de abandonar o sonho de ser médico para cuidar de sua mãe, agora falecida; ela tem um emprego desgastante e estressante; o dinheiro é sempre pouco. Inspirados por um casal de amigos (Jason Sudeikis e Maribeth Monroe), os dois escolhem mudar-se para a comunidade de Lazerlândia, onde os pequenos são protegidos dos insetos, dos pássaros e da ação do clima por uma moderna rede protetora.
Entretanto, depois de ser encolhido, Paul descobre que Audrey desistiu da ideia e voltou para casa. Sozinho e desolado, o protagonista logo entrega-se a uma rotina pouco inspirada e bastante similar à anterior ¿ até que ele fica amigo de seu excêntrico vizinho, Dusan Mirkovic (Christoph Waltz), e conhece a ativista vietnamita Ngoc Lan Tran (Hong Chau), que foi encolhida contra a sua vontade na prisão.
Em Pequena Grande Vida, um processo cujo propósito principal é salvar o mundo torna-se uma opção viável principalmente depois que as pessoas percebem as implicações econômicas do Encolhimento; às margens da Lazerlândia, a empresa responsável pela comunidade recebe os curiosos e interessados com todo o luxo do capitalismo, com direito a loja de lembranças e tudo. Para Paul, o Encolhimento é também a chance de se reinventar, de escapar de uma vida insatisfatória e sem perspectivas; de “começar de novo”. Como ele vai descobrir, isso não é tão fácil assim ¿ a Lazerlândia divide-se entre aqueles que festejam sem parar e aqueles que, como o protagonista, aceitam empregos monótonos e retomam um cotidiano nada distante do que o que eles já conheciam. Assim, o diretor Alexander Payne, que assina o roteiro ao lado de Jim Taylor, mostra que adotar uma nova forma de olhar o mundo exige mais esforço do que simplesmente diminuir o nosso horizonte.
Afinal, é claro, a Lazerlândia não é tão perfeita quanto parece. Guiado por Ngoc Lan, Paul aventura-se para além das mansões luxuosas e descobre os subúrbios em que vivem aqueles cujos recursos não eram suficientes sequer para manter uma existência simples na comunidade. Depois de ir parar ali contra a sua vontade, a vietnamita torna-se um verdadeiro anjo da guarda para aquelas pessoas (em sua maioria, adivinhe só, asiáticos e latino-americanos ¿ os norte-americanos e os imigrantes europeus, como Dusan, têm uma recepção mais calorosa). Ela, assim, estabelece-se como a figura mais interessante do longa, graças não apenas a seu arco dramático tocante e sua personalidade prática, mas também ao trabalho incrível de Hong Chau, que domina todas as suas cenas e demonstra tanto ter um timing cômico impecável quanto sensibilidade para os momentos mais vulneráveis de sua personagem.
Além de tudo isso, ela ainda estabelece uma dinâmica eficiente com Matt Damon, que também é bem-sucedido ao adotar uma postura que, aos poucos, torna-se menos passiva diante de seus arredores. Enquanto isso, Christoph Waltz faz seu melhor trabalho desde Django Livre, abraçando as peculiaridades, exageros e irreverências de Dusan. Além dos pequenos (ops!) papeis de Wiig, Sudeikis e Monroe, Pequena Grande Vida conta ainda com participações divertidas de Laura Dern, Margo Martindale e Neil Patrick Harris.
Mas, para que o elenco funcione tão bem, é fundamental o fato de que todos eles reproduzem a naturalidade com que Alexander Payne aborda o conceito-chave de seu longa-metragem. O Encolhimento é anunciado ao mundo sem grandes alardes (mesmo que, é claro, fascine a todos imediatamente), e o cineasta adota uma postura centrada e prática ao longo de toda a projeção, ao mesmo tempo em que nos permite explorar as maneiras fascinantes com que a sociedade adapta-se às pessoas pequenas. Assim, quando acompanhamos Paul passando pelo Encolhimento, o processo todo desenrola-se como o mais banal procedimento cirúrgico ¿ é interessante perceber, por exemplo, como os funcionários do local entregam-se a conversas e risadas casuais enquanto aguardam sua vez de agir, ou a forma automática e gentil com que os recém-encolhidos são recolhidos, ainda inconscientes, de suas camas. Há, ainda, as cabines especiais (tudo de primeira classe!) instaladas em ônibus e aviões para que os pequenos possam viajar, ou toques geniais como a nota de um dólar pendurada como um quadro no apartamento de Dusan ou a rosa verdadeira que, na Lazerlândia, é considerada um luxuoso objeto de decoração.
Discutindo ainda a forma com que um processo como o Encolhimento poderia tornar-se uma arma nas mãos de grupos mal-intencionados, Pequena Grande Vida estabelece-se como um sci-fi criativo e envolvente, em que Alexander Payne diverte-se imensamente com sua imaginativa premissa. E o melhor é que, além de um senso de humor eficiente e, por vezes, ácido, o longa também demonstra inteligência e humanidade. Este é, portanto, mais um título louvável na excelente filmografia do cineasta.
“Downsizing” (EUA, 2017), escrito por Alexander Payne e Jim Taylor, dirigido por Alexander Payne, com Matt Damon, Hong Chau, Christoph Waltz, Kristen Wiig, Rolf Lassgård, Ingjerd Egeberg, Udo Kier, Jason Sudeikis, Maribeth Monroe, Laura Dern, Neil Patrick Harris, Margo Martindale e Niecy Nash.