Persuasão | Crítica do Filme | CinemAqui

Persuasão | Jane Austen e a 4° parede

Este novo Persuasão, do último livro publicado de Jane Austen no começo do século 19, é uma adaptação fiel? Não exatamente. No entanto, possui em seu início um pouco daquela esperteza contagiante de A Favorita e empresta bastante (até demais) do estilo da série inovadora Fleabag, em especial por conta da narrativa indireta da obra literária. Mas não é difícil se entreter com diálogos “austenianos”, mesmo fora de contexto, pois seu espírito de análise da natureza humana e de seus relacionamentos nunca envelhece. Pelo contrário: amadurece.

Porém, focado em ser moderno e inclusivo, Persuasão é carregado pelas virtudes do universo de Austen enquanto é ancorado pelas diferenças das historietas imaginadas pela autora clássica. Se fôssemos traçar um paralelo com nossa literatura, é como se o protagonista de Dom Casmurro fosse reencarnado como um digital influencer e houvesse todas essas questões sociais (que são um tédio) para abordar. Além disso saber se Capitu o traiu… quer dizer, isso nem é mais é da conta dele, certo?

O mais discutível, porém, não é a reinterpretação de Austen, que já foi vítima de adaptações mais bizarras no cinema (estou olhando para você, Orgulho, Preconceito e Zumbis!). O polêmico é o quão sutil as pequenas diferenças narrativas e étnicas tomam conta deste romance épico. Os retoques passam despercebidos pelo público médio que iria assistir de qualquer forma, então não é o caso de tornar uma história de época mais palatável ao público jovem. Por outro lado, para quem se interessa, acompanha e de certa forma até torce por adaptações da escritora, o filme apenas revela o quanto ela de fato era virtuosa com as palavras, não graças a esta adaptação cinematográfica, mas apesar dela.

Persuasão | Jane Austen e a 4° parede

Sua falta de sintonia com a obra original serve para enaltecer os diálogos e os personagens do livro, enquanto pausteuriza um filme produzido às custas de direitos autorais adquiridos. Desnecessários, diga-se de passagem. Os fãs ganhariam mais relendo o livro e espectadores de streaming ganhariam mais com (mais) uma dramédia pop.

Por outro lado, isso nos dá uma chance de observar alguns aspectos contemporâneos curiosos. Por exemplo, o plágio de Fleabag, a curta e instigante série de comédia criada e escrita por Phoebe Waller-Bridge que investiga os prós e contras de uma protagonista olhando o tempo todo para o espectador analisando seu próprio universo através dessa ruptura da quarta parede. Fleabag obviamente não é original em tudo, mas é o sinal mais forte da década em aspectos de giro narrativo na ficção audiovisual. Se trata de uma série engraçada e dramática ao mesmo tempo que navega com propriedade nas possibilidades da linguagem, em especial o discurso indireto.

Persuasão usa demais essa ferramenta de comunicação ao espectador, a ponto de ser confundido com um simples plágio conveniente. Isso acontece porque o filme em si não precisa desse artifício e nem lucra ao utilizar. Por mais que Dakota Johnson tenha lindos olhos, o longa não ganha profundidade só porque a vemos olhando para nós o tempo todo, nem existe qualquer brincadeira metalinguística além do recurso sendo usado com preguiça e sem pertencimento. Vira uma distração. Até leitores que reconhecerão o discurso indireto trazido sob o formato audiovisual devem perceber se tratar de um engodo.

Outro aspecto curioso e contemporâneo é a moda dos relacionamentos não convencionais. O terceiro ato foi criado para se tornar uma farsa cheia de coincidências e desencontros planejados na montagem final dos casais. A mensagem não poderia ser mais política e mais sem graça. Se houvesse qualquer desejo do espectador em assistir desconstruções moderninhas ancoradas em discurso politizado não seria em um Jane Austen que ele deveria procurar.


“Persuasion” (EUA, 2022), escrito por Ron Bass, Alice Victoria Winslow e Jane Austen, dirigido por Carrie Cracknell, com Dakota Johnson, Cosmo Jarvis e Richard E. Grant.


Trailer do Filme – Persuasão

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