A atriz argentina Thelma Fardin anunciou através de um vídeo no Instagram que a Justiça brasileira suspendeu um processo por abuso sexual contra o ator Juan Darthés, que está foragido e escondido no Brasil após uma série de denúncias que começaram em 2018 com um vídeo de Thelma.
A suspensão aconteceu por motivos meramente burocráticos quando o processo, supostamente, já estaria em sua fase final após ouvir várias testemunhas.
Hoje, um Tribunal Superior do Brasil decidiu voltar a zero o processo que já estava praticamente no final contra Juan Darthés […] Um processo muito difícil de iniciar e que é suspenso não por irregularidades, se não porque um tribunal diz que não há jurisdição. Um monte de tecnicismos insuportáveis, injustos. Injusto que uma vítima tenha que saber de tantos tecnicismos. Mas a mensagem, hoje, é a impunidade”
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No vídeo, Thelma Fardin, que não tem representação de advogados no Brasil, explica que, agora, todas as instâncias do processo movido pelo Ministério Público da Argentina, Brasil e Nicarágua serão perdidas e o processo voltará à estaca zero por causa de tecnicismos que relativizam o sofrimento das vítimas.
Entenda o caso Darthés
Em 2018, a atriz Thelma Fardin fez uma denúncia ao vivo na televisão dizendo que foi abusada pelo ator Juan Darthés em 2009, quando ainda tinha 16 anos, durante uma turnê do elenco da novela Patito Feo pela América Latina. O crime aconteceu quando a turnê passava pela Nicarágua.
Darthés negou que tenha abusado da atriz e disse que ela tentou beijá-lo. Porém, a denúncia de Thelma Fardin teve o apoio de 50 atrizes argentinas e essa não foi a primeira denúncia contra o ator. A maioria dos casos não avançou na justiça porque havia prescrito, mas uma alteração na lei argentina que ocorreu em 2015 tornou o abuso sexual um crime imprescritível.
Três novas denúncias contra Juan Darthés surgiram após o depoimento de Thelma Fardin, uma delas de uma técnica de som que trabalhava nas novelas. Um processo criminal foi aberto contra o ator em 2019 por considerá-lo autor do crime de estupro qualificado. A situação de Darthés ficou insustentável, os advogados de defesa largaram o caso e ele, então, fugiu para o Brasil por ter cidadania brasileira.
Em novembro de 2019, a Interpol emitiu um alerta “para localizar e deter Darthés com vistas à sua extradição”, mas a lei brasileira não permite que um cidadão brasileiro seja extraditado. A solução, então, foi iniciar um processo no judiciário brasileiro pela acusação de estupro. A denúncia foi apresentada pelo Ministério Público em abril de 2021 “com o objetivo de ser processado no Brasil pelos fatos perpetrados em Manágua em 17 de maio de 2009 em detrimento de Thelma Fardin.”
Como o processo aconteceu no Brasil
O processo judicial contra Juan Darthés contou com a participação do Ministério Público dos três países (Argentina, Brasil e Nicarágua) e teve início em novembro com o sustentação oral. Ele contou com o depoimento de 11 testemunhas que participaram do processo, que ocorreu sob sigilo, de maneira remota.
Todas as notícias sobre o andamento do caso nesse período foram através das informações passadas pela atriz Thelma Fardin e, até o momento, todos imaginavam que o caso estava avançado no judiciário brasileiro.
Até que, no dia 8 de fevereiro de 2022, o judiciário brasileiro decidiu que não é competência nacional julgar o crime porque ele teria ocorrido na Nicarágua. Dessa maneira, toda a denúncia voltou à estaca zero após meses de processo e depoimentos de todas as testemunhas.
Vale lembrar que, conforme ressaltou o jornalista Ariel Palacios em seu perfil no Twitter, a Nicarágua é um país em que denúncias de assédio sexual não costumam avançar, visto que o próprio presidente, Daniel Ortega, foi acusado de ter abusado de sua enteada por uma década e nada aconteceu.
Em entrevista ao jornal La Nácion, o advogado de Thelma Fardin, Martín Arias Durval, explicou que ainda não sabem se o julgamento foi anulado. “Não somos notificados de nada porque Thelma não é parte do julgamento no Brasil. O processo está sendo realizado pelo Ministério Público”, disse ao explicar que dois dos três juízes responsáveis votaram contra a jurisdição do Brasil para julgar o caso.
Cidadania brasileira de Juan Darthés
O ator argentino Juan Darthés é, na verdade, nascido no Brasil e tem o nome de batismo Juan Rafael Pacífico Dabul. Por esse motivo, Darthés não pode ser extraditado para ser julgado na Nicarágua ou Argentina, visto que a legislação brasileira não permite a extradição de cidadãos natos e naturalizados.
No Brasil, o processo não foi movido pela atriz Thelma Fardin, mas pelo Ministério Público. Dessa maneira, ela não está no processo como autora, mas como vítima. Segundo o advogado da atriz, ela não tem dinheiro para pagar advogados no Brasil, enquanto o ator teria recursos para financiar uma banca de defesa em cada um dos países envolvidos.
Os próximos passos do caso
Com a possível anulação do processo, o próximo passo é que a denúncia contra Juan Darthés vá parar no Supremo Tribunal Federal, onde será julgada a constitucionalidade do processo, segundo informou a própria Thelma Fardin no Instagram.
Ficamos com o Supremo Tribunal Federal, que já tem precedentes em que diz que esses tipos de crimes são passíveis de julgamento na Justiça Federal. E se nos disserem que não podemos ir à Justiça Federal, vamos à Justiça local. Vamos continuar insistindo para que nos ouçam ”
Além disso, o coletivo Actrices Argentinas, que apoiou as denúncias de Thelma desde o início, marcou para essa sexta-feira, dia 10, uma manifestação em frente ao Consulado Geral do Brasil na capital Buenos Aires.
Desde Actrices Argentinas repudiamos la orden del tribunal que frena el juicio contra Darthes. Concentramos el jueves 10/Feb a las 12hs en el Consulado de Brasil (Carlos Pellegrini 1363 CABA)
1/6 pic.twitter.com/ngLFusYkEe— Actrices Argentinas (@actrices_arg) February 9, 2022
Texto escrito com informações de Ariel Palacios e do jornal La Nácion