Inserindo um elemento da ficção científica em sua narrativa de comédia romântica, Questão de Tempo utiliza bem a habilidade de seu protagonista de voltar no tempo e alterar situações de seu próprio passado com seus lados românticos e cômicos, mas falha em estabelecer claramente as regras dessa habilidade e – como é comum em comédias românticas com protagonistas masculinos – ao deixar as mulheres, limitadas a personagens pouco desenvolvidas, de lado.
Tim (Domhnall Gleeson) é um rapaz introvertido (claro) e com pouca sorte com as garotas (claro). Aos 21 anos, depois de uma fracassada festa de ano novo, seu pai (Bill Nighy) lhe conta que todos os homens da família podem voltar no tempo – apenas a locais em que eles já estiveram presentes ou situações que já viveram. Enquanto seu pai utiliza o “tempo extra” para ler muitos livros, Tim declara que seu principal objetivo será “conseguir uma namorada” (claro).
Ele, assim, passa a utilizar seu recém-descoberto poder para reviver qualquer situação em que ele seja rejeitado ou não impressione uma garota, conseguindo (depois de diversas tentativas) passar a impressão de ser um homem charmoso, divertido e atencioso. Ao apaixonar-se à primeira vista por Mary (Rachel McAdams) depois de conhecê-la em um restaurante, seu desejo de ajudar seu amigo dramaturgo (Tom Hollander) acaba apagando aquele primeiro encontro, e ele passa a buscá-la – e a fazê-la gostar dele – obsessivamente. Para isso, Tim usa a batida tática de fingir que também ama as coisas preferidas dela, tentando mostrar a Mary que existe uma “conexão” entre eles, ao invés de deixar essa conexão formar-se naturalmente – como já havia acontecido uma vez.
Eles começam a namorar e logo estão morando juntos. O escritor e diretor Richard Curtis, experiente em comédias e em romance (são dele os ótimos Simplesmente Amor, Os Piratas do Rock e O Diário de Bridget Jones) acerta ao não colocar obstáculos no amor dos dois, deixando-o desenvolver-se naturalmente com exceção, claro, das frequentes ocasiões em que Tim insiste na perfeição e volta no tempo para alterar o que já estava perfeitamente aceitável – mas nem mesmo a habilidade do protagonista é um obstáculo, já que, absurdamente, Mary nunca se torna ciente dela. Dessa forma, é ainda maior a impressão de que ele manipula a moça a se apaixonar por ele.
E se Rachel McAdams é uma atriz eficiente e carismática, pouco pode ser dito de sua personagem. Estabelecida como a garota de personalidade inofensiva e adorável que é o típico objeto de desejo de personagens masculinos como Tim. Ela tem um emprego, mas a única vez em que isso tem alguma importância é em uma cena sobre como Tim está entediado com a indecisão da esposa sobre que vestido usar em um importante jantar de negócios; na primeira vez que Tim a vê, quando ela sai do restaurante, ela chega a tropeçar, estabelecendo sua personagem como “desajeitada” – um “defeito” frequentemente utilizado quando cineastas não estão muito preocupados em desenvolver as mulheres de seus filmes. Os defeitos de Mary, aliás, são coisas como “insegurança” e “mau humor” – novamente, algo nunca retratado em Questão de Tempo, mas revelados por ela quando a sogra lhe pergunta sobre suas fraquezas.
Mary é bonita, mas não a ponto de intimidar Tim (afinal, ela usa óculos!); e assim é melhor, já que, aparentemente, mulheres bonitas demais não têm “senso de humor ou personalidade”. Mary é, para Tim, “a garota mais bonita do mundo”, enquanto sua amiga “se parece com uma prostituta simpática” – e é um absurdo, claro, que o host do restaurante reconheça as duas através dessas descrições. Mesmo não sendo estabelecida como uma esposa submissa ao marido, é ele quem toma as decisões – quando o casal terá filhos, como será o casamento… Questão de Tempo pinta Mary como o amor da vida de Tim, mas não perde muito tempo com uma das metades do casal e, portanto, é difícil realmente se importar com aquele romance.
Da mesma forma, os dramas da irmã de Tim, Kit Kat (Lydia Wilson) servem apenas para que Tim posssa descobrir os limites de seu poder, e não realmente como uma tentativa de desenvolver a adorada irmã do protagonista, vivida por Wilson como uma garota dinâmica, divertida e problemática.
Limites estes, aliás, que surgem e desaparecem conforme as necessidades do roteiro. Na primeira vez em que Tim retorna ao passado, ele volta para o presente logo após realizar a ação que se arrependia de não ter feito; após esse acontecimento, a narrativa transita entre momentos em que ele parece estar vivendo novamente todos os dias que voltou, até alcançar o presente. Da mesma maneira, é um grave erro introduzir depois de quase uma hora e meia de filme o fato de que ele pode levar outra pessoa com ele para o passado.
“Toda as viagens no tempo no mundo não podem fazer alguém se apaixonar por você.” Essa “lição” é aprendida – e narrada – por Tim pouco tempo depois de ele descobrir sua habilidade. Mesmo assim, seu romance é baseado nas coisas que ele mudou em sua história com Mary. Sua incapacidade de levantar o interesse dela por uma segunda vez sem recorrer a coisas que ele só sabia porque voltou no tempo mostram que, ao invés de aprender com seus erros, ele preferiu simplesmente apagá-los. Sim, com o passar do tempo, as viagens se tornam menos frequentes, mas isso não torna a base do relacionamente menos insincera. E, já que Mary nunca descobriu a verdade, o final feliz da família tem um sabor amargo.
“About Time” (EUA, 2013), escrito e dirigido por Richard Curtis, com Domhnall Gleeson, Rachel McAdams, Bill Nighy, Lydia Wilson, Tom Hollander, Lindsay Duncan, Joshua McGuire, Will Merrick e Margot Robbie.