Talvez a importância do Racionais MCs para o Brasil não caiba em um documentário, mas é preciso começar por algum lugar. Racionais – Das Ruas de São Paulo Pro Mundo, nova produção da Netflix faz isso: começa.
Dirigido por Juliana Vicente, o filme parte de uma premissa simples e atinge seus objetivos, tanto como uma introdução para os não iniciados, quanto diversão para os fãs. Mas mais do que isso, e talvez isso seja o mais importante, resvala na responsabilidade desses quatro caras que surgiram na quebrada de São Paulo e se tornaram um dos grupos mais relevantes da história da música brasileira.
E se esse parecerá um daqueles textos que se rasga em elogios, é porque não existe outra forma de discutir Racionais, mesmo com os defeitos do filme.
Mas talvez não houvesse outro jeito, é preciso apresentar o Racionais e esse documentário serve para isso. Tropeçando em uma estrutura episódica e até meio lenta, o filme vai contando um pouquinho da história de cada disco, dos perrengues ao estrelato. É pouco para conhecer o grupo, mas talvez seja a única opção para desvendar um pouquinho de Mano Brown, KL Jay, Ice Blue e Edi Rock. Das Ruas de São Paulo Pro Mundo é deles e eles merecem cada frame.
Talvez o maior acerto do filme esteja mesmo nas entrevistas deles, personalidades diferentes, mas que juntas nessa sinergia de batidas, atitude e poesia, mudaram a música do Brasil. Não só isso, o documentário ainda acerta em deixá-los percorrer suas memórias e irem aos poucos entendendo a responsabilidade de serem eles dentro do cenário que criaram e ainda imperam. Um cenário que não é só a cena de rap do Brasil, o brasileiro em si, tanto daquele que viu o mano da periferia chegar no centro, quanto quem pode sentir um pouco das dores de ser esmagado por uma sociedade que não te quer vivo e operante.
O documentário opta por ser didático diante da carreira do grupo, mas não deixa de enxergar essa importância sócio-política, o que talvez permita que os erros de ritmo fiquem de lado diante desse lado que faz pensar.
Ainda melhor de tudo, faz isso enquanto dá espaço para os quatro protagonistas serem eles mesmos, tanto em termos de personalidade, quanto da possibilidade de deixaram soar um número sem igual de frases incríveis e pensamentos que valem o filme. O caos divertido e a eficiente humildade de Ice Blue poderiam colocá-lo no protagonismo de qualquer produção, o que aqui ainda serve quase como um alívio cômico diante da marra e da responsabilidade dos outros três parceiros de rap.
Por outro lado, Juliana Vicente erra ao se deixar levar não só pelas imagens de arquivos e entrevistas e gasta dinheiro demais com voos de drones e slow motions bregas. Racionais parece mais interessado no “pânico na Zona Sul” do que no presente consciente, o que faz o filme acumular muita gordura em certos momentos quando acha necessário mostrar os dias de hoje, não os de ontem.
O outro erro de ritmo está, justamente, no jeitão episódico de ser. Com praticamente o mesmo “tempo de tela” para cada álbum, certos momentos como o da plateia cantando “Fim de Semana no Parque” acabam parecendo ter a mesma importância de uma filmagem recente de um show do disco Cores e Valores. Falta sensibilidade de entender o que valeria mais para o filme ao invés de simplesmente quebrar o filme de um jeito linear e repetitivo.
Mas Racionais (o documentário) ultrapassa essas questões e consegue, mesmo escorregando, mostrar o quanto o Racionais (o grupo) é, e sempre será, sobre “dar voz a quem não tem voz”. Ou como o próprio Ice Blue recorda, fazer “eles passarem mal com a presença desses caras”. Quatro caras que saíram das ruas para o mundo, mas mais do que isso, incomodaram aqueles que precisavam ser incomodados. E isso é Racionais.
“Racionais: Das Ruas de São Paulo Pro Mundo” (Bra, 2022), escrito e dirigido por Juliana Vicente, com Ice Blue, Mano Brown, Edi Rock e KL Jay.
1 Comentário. Deixe novo
Eu amei o filme/documentário do início ao fim, me tornei ainda mais fã, meu respeito e meus parabéns para a diretora que soube enxergar a essência deles e do quão importante seria mostrar a história deles, quem diz que ela pecou é escorregou é pq queria que ela riamntizasse o que não se dá para romântizar pois ali se mostra a mais pura realidade! Não ficção!