[dropcap]D[/dropcap]esde seu título, Relatos do Front compra a briga de chamar de guerra os conflitos entre a polícia de operações especiais do Rio de Janeiro e os traficantes do morro. Isso porque entre bandido e polícia muito mais gente morre, incluindo inocentes moradores das zonas de risco. Neste documentário de Renato Martins o bolo de sessenta mil homicídios por ano no país inteiro entra nas estatísticas a respeito da violência no Rio. Por quê? Acredito que porque usar números não é um ponto forte do pessoal de humanas..
Porém o drama é. E Martins nos conduz por uma série de imagens capturadas desses conflitos de maneira soberba. Podemos nos sentir privilegiados no conforto de nossas poltronas assistindo ao martírio dos envolvidos neste sistemático massacre resultante da luta contra as drogas. Editado em um tom melancólico ao mesmo tempo que nos deixa apreensivos pelo uso indiscriminado de armas de fogo nas ruas do Rio de Janeiro, este é um filme com uma mixagem de som invejável, onde se pode ouvir as pessoas em volta ao mesmo tempo que os tiros incessantes. Mas o melhor do filme sem dúvida são suas imagens, produzidas com uma competência ímpar.
Se a melhor parte é sem dúvida sua virtude técnica a pior é sua ideologia. Tosca, clássica, retrógrada: aquele feijão com arroz preto no branco, que nos leva desde o Brasil Império até os dias atuais, chama de liberalismo o que algum tempo atrás era fascismo (deve ter pegado mal) e através de conclusões vomitadas por vários especialistas em áreas sociais, como sociólogos, cientistas políticos, psicólogos, economistas e militantes em geral, vai tecendo sei lá o quê para sei lá quem, já que os únicos que concordam com tudo isso são eles mesmos.
Em meio ao fogo cruzado essa elite esclarecida, igualmente sentada confortavelmente em suas poltronas, esclarece o espectador de porquê estamos nesse conflito de classes e de “raça” (eles falam em racismo como algo óbvio e ululante, dispensando maiores explicações).
Aliás, as explicações neste filme sobram. O que faltam são dados que prestem. Exceto os que convém à narrativa do documentário, que se aproveita sempre das proporções continentais do país para jogar números absolutos de qualquer índice de violência, como número de presos/presídios e os já citados homicídios, incluindo crianças/adolescentes mortos. A ação se concentra no morro, próximo da praia, mas os dados usados envolvem 8 quilômetros quadrados para dentro do continente.
Este é um filme violento e perdido no tempo, que constrói uma narrativa sem uma conclusão, apenas lamentações. A coragem de seus idealizadores vai até o momento em que os tiros são disparados e as vítimas contabilizadas, mas termina por aí; não prossegue em seu raciocínio rebuscado dizer claramente qual é a solução. Eles nunca prosseguem. Preferem ficar na demagogia barata, aquela que vela por suas vítimas da sociedade, vivas ou mortas, acusa o poder público de tamanha incompetência, se coloca na equação no melhor estilo “somos todos culpados por alimentar esse sistema” (seja ele qual for) e, no final, faz miçangas para resolver os problemas do mundo.
O objetivo do filme pode ser nobre, de conscientização, mas ele é o elemento que mais cansa nessa história, por mostrar obviedades que as pessoas revisitam todos os dias no noticiário e querer embutir uma espécie de culpa histórica em cada um de nós.
Estéril em sua militância, teórico demais em seu discurso e ideológico até os dentes, Relatos do Front é uma história repetida e desnecessária do caos urbano. Mas é bem feito. Isso não se pode negar. Pode-se dizer que é um filme; mais um entre os incontáveis lamentos da elite esclarecida. Parabéns. Agora vamos voltar para a vida real.
“Relatos Do Front” (Bra, 2018), escrito por Sergio Barata Empres, Renato Martins e Gabriel Pardal, dirigido por Renato Martins.