Restos do Vento (2022) | Crítica do FilmeRestos do Vento (2022) | Crítica do Filme

Restos do Vento | Previsível e doloroso para alguns, surpreendente para outros

Quanto mais penso na subjetiva e impactante introdução de Restos do Vento, mais me convenço que ela gradativamente aumenta sua importância instrumental na análise e interpretação de sua história. Não apenas a trama, que já é bem amarrada em suas premissas. É o conjunto temático da obra, que transcende fácil o nível de “apenas mais uma sessão” e fica em nossa mente, remoendo a injustiça fundamental que “testemunhamos” na sala de cinema.

A introdução é impactante porque é traumática para o nosso herói. Ele é Laureano (Albano Jerônimo na versão adulta e Benjamim Barroso jovem). Acompanhamos ele jovem se misturando com outros em uma espécie de irmandade masculina. Eles participam de um ritual pagão em uma época em que é tolerável, incentivado até, sair batendo em moças que estão andando pelas ruas de um pequeno vilarejo em Portugal. Eles vestem um capuz intimidador e seguem essa tradição alimentada e incentivada pelos mais velhos através de bebida alcoólica.

O mais importante nesse contexto é notar que Laureano se mistura porque pertence a uma “casta” inferior nessa sociedade. Por conta das fraquezas de seu progenitor ele é visto como fraco. Durante o batismo do grupo ele perde inclusive o nome da família para ser aceito. E a seguir, os acontecimentos daquele dia se tornarão o nosso guia para descobrirmos quem é quem no futuro, vinte e cinco anos depois, quando iremos acompanhar pela maior parte do filme os mesmos jovens na fase adulta.

Restos do Vento | Previsível e doloroso para alguns, surpreendente para outros

Comentário social com viés realista e uma pitada de provocação que se revela mais teatral, Restos do Vento confia na percepção do espectador de que algumas permissões poéticas se fazem necessárias pelo bem do drama. Mas relevante não é a pensar se tudo isso aconteceria na vida real, mas entender a essência dos personagens e o que eles significam na esfera maior de uma sociedade.

Samuel, por exemplo, representa o poder puro. Seu gênio incontrolável e caprichoso ecoa na personalidade do próprio filho, líder de um grupo semelhante ao visto no início da história. Samuel é o tipo de pessoa que dá as cartas na mesa e puxa mais algumas da manga se for necessário para ganhar a mão. Já Paulo é um seguidor de ordens; ordens de você sabe quem. É o clássico pau-mandado que quando veste um uniforme policial na fase adulta revela a rede de influências que todos nós gostaríamos que não existisse em um mundo ideal.

Essa percepção do mecanismo da sociedade por trás da personalidade dos personagens principais é o que rouba nossa surpresa no final, pois já sabemos como uma história dessas termina na vida real: de maneira injusta. O filme de Tiago Guedes vai se alongando em múltiplos falsos-finais, já que ele apenas precisa repetir na tela o que já captamos em nossa mente. Pode ser previsível e doloroso para alguns, surpreendente para outros.


“Restos do Vento” (Por/Fra, 2022), escrito por Tiago Guedes e Tiago Gomes Rodrigues, dirigido por Tiago Guedes, com Albano Jerónimo, Nuno Lopes e Isabel Abreu.


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