[dropcap]A[/dropcap]paixonado pela temática feminista, Retrato de Uma Jovem em Chamas é um filme que nos entrega o sabor de uma paixão que surge sem maiores explicações. Seus personagens são meras pinceladas de um passado histórico onde mulheres não possuíam muitas opções para viver, e a diretora e roteirista Céline Sciamma resolve dar essas opções por um breve momento e ver no que dá.
E o que surge é essa história que, enquanto lembra um registro do passado, sabemos ser ficcional pelo seu teor metafórico, apartado da “realidade” pelos tons das pinturas que cercam o filme. Sua protagonista, Marianne, é acompanhante, pintora e amante de Héloïse, uma garota que carrega o destino de sua irmã em estar comprometida para um homem do estrangeiro que nunca viu e com quem irá se casar assim que seu retrato estiver em suas mãos e o negócio for concretizado. Não é uma história com detalhes o suficiente para nos entreter porque Céline quer usar apenas esse gancho do mundo patriarcal para puxar discussões acerca da relação entre uma pintora independente da época e suas modelos femininas.
A fotografia de Claire Mathon no filme usa tons que foram tirados diretamente do estojo de Marianne. A iluminação diurna e noturna e os enquadramentos da diretora proporcionam um ambiente propício para vários “quadros” vivos que desejam representar o passado, como uma recém-chegada se servindo na cozinha de pão, queijo e vinho, três mulheres de status diferentes conversando na sala de estar, caminhadas à beira do mar e assim por diante. Essas imagens não querem dizer nada além de serem bonitas e evocarem um outro tempo. Sem significado elas vão se tornando repetitivas e enfadonhas.
O minimalismo na trilha sonora, com apenas duas músicas, uma feita para o filme e uma clássica de Vivaldi, também evoca o espírito do tempo, em um mundo onde a única música cotidiana estava acessível na igreja. Marianne comenta que o lugar para onde Héloïse irá após casada, a cidade de Milão, respira música, mas ela já está sufocada antes de sair de casa. A dinâmica do filme caminha um bom tempo passando as mãos nas costas de Héloïse e lamentando a época vivida, e com isso denuncia ser um filme de época e possuir uma opinião simples e reciclada sobre a sociedade que critica.
A Marianne da atriz Noémie Merlant é por demais transparente, e quando reviravoltas acontecem não há surpresa alguma para o espectador; apenas impaciência. Céline se esquece que não existem amores proibidos entre duas mulheres em um filme feminista, e longuíssimas duas horas apenas descrevendo essa situação soa complacente, sem conflito, e faz a curiosa personagem de Noémie se perder no roteiro de Céline, que opta por papéis fáceis demais e rapidamente nos fazendo perder o interesse.
Já a enigmática Héloïse de Adèle Haenel, cujo sorriso escapa à Marianne por boa parte do longa, é uma criação versátil que nos deixa curiosos por mais tempo. Infelizmente, mais uma vez o roteiro de Céline se revela por demais simplório, e todo o mistério por trás de uma personalidade reclusa e que acabou de perder a irmã suicida se revela banal demais. Todo o esforço de interpretação de Haenel é entregue a uma personagem que serve apenas ao propósito de encontrar brevemente um amor lésbico sem recompensa ou punição.
A diretora Céline Sciamma é especialista em retratar figuras humanas pelo sua situação específica. Seus filmes como Tomboy e Garotas são estudos de personagens reais e complexos em um universo que respeita suas histórias de vida. Retrato de Uma Jovem em Chamas ignora seus personagens, se apaixona por discursos fáceis e um romance esquemático conveniente. Tudo aquilo que não deveria haver em um filme sobre mulheres dirigido e escrito por uma mulher.
“Portrait de La Jeune Fille en Feu” (Fra, 2019), escrito e dirigido por Céline Sciamma, com Noémie Merlant, Adèle Haenel e Luàna Bajrami.
1 Comentário. Deixe novo
Gente as músicas do filme Retrato para uma jovem em chamas são lindas. As duas.
Mas gostaria de saber o nome da música que toca no final. Que na verdade é uma orquestra.