Diablo Cody é responsável por roteiros dos mais diversos, todos centrados em protagonistas femininas: depois de chamar a atenção do público e da crítica com o encantador Juno e de experimentar com o terror em Garota Infernal, a roteirista lançou, em 2014, o excelente Jovens Adultos. Este continua sendo seu melhor filme, mas Ricki and The Flash: De Volta para Casa faz jus ao talento de Cody ao tratar com uma seriedade leve os temas da maternidade e do desejo de liberdade.
Ricki (Meryl Streep) e sua banda, The Flash, tocam em um pequeno bar de Los Angeles com a energia de uma banda se apresentando a milhares de fãs fervorosos. O rock é a paixão de Ricki, mas para ganhar a vida ela também trabalha no caixa de um supermercado, isso até que sua antiga vida, antes de abandonar seu nome de batismo, volta à tona quando seu ex-marido, Pete (Kevin Kline) liga avisando que a filha mais nova do casal, Julie (Mamie Gummer, filha de Streep) encontra-se arrasada após ser abandonada por seu marido. Chegando em Indianapolis, Ricki descobre que a situação é mais grave do que pensava e, então, se esforça para tentar se reconectar a sua família e a ajudar Julie a se recuperar.
Conciliar carreiras e maternidade é algo até hoje visto como um desafio gigantesco, de uma forma que não acontece para os homens. Cody faz questão de lembrar o espectador que a escolha entre o sonho da música e a família seria recebido de forma bem diferente por um homem mas, mesmo assim, reconhece que este não foi o único motivo que levou Ricki a se afastar dos filhos: também através, claro, do imenso talento de Streep, a protagonista é concebida como uma mulher com profundas dificuldades de aceitar o amor dos outros e de se ver dependendo da presença de outra pessoa; assim, o longa nos leva a entender o porquê de Ricki ter escolhido o ideial de uma vida livre e sem amarras ao invés de uma existência convencional ao lado da família. Novamente, Cody toma o cuidado de jamais condenar ou criticar um ou outro estilo de vida, apenas construindo sua protagonista de forma que compreendemos – mesmo que não concordemos – suas escolhas.
Afinal, por mais que Ricki seja feliz batalhando para viver de música (enquanto também se esforça para tocar “sucessos contemporâneos” para agradar ao público do bar), é óbvio que ela sente uma falta imensa de conviver com os filhos, e não poderia ser diferente: Julie, Josh (Sebastian Stan) e Adam (Nick Westrate) cresceram, aprenderam, amadureceram e se tornaram adultos honestos e inteligentes longe dela, sob os cuidados do pai e de sua esposa Maureen (Audra McDonald).
O diretor Jonathan Demme, que lidou com dramas familiares pesados no excelente O Casamento de Rachel, aqui caminha entre o tom dramático leve da obra com talento. Assim, as situações e revelações da trama têm peso e consequências, mesmo que o filme também tenha um senso de humor eficiente e uma energia providos pela música de Ricki. Afinal, é a música da protagonista que confere ao filme seu espírito, algo claro desde os créditos iniciais da obra, que anunciam o título do filme quando a banda encerra sua canção, como se estivesse apresentando os músicos.
Com um elenco majoritariamente eficiente liderado por uma atriz veterana que se entrega totalmente a sua personagem, Ricki and The Flash depende também das boas dinâmicas que constrói entre aquelas pessoas; se destaca, assim, o relacionamento entre Ricki e Julie – mãe e filha na vida real, Streep e Gummer tem uma química sincera e, quando necessário, divertida em tela.
Finalmente, Ricki é mais um exemplo das personagens complexas e multifacetadas escritas por Cody, que não hesita em prover a protagonista com características desagradáveis – como os comentários homofóbicos que ela faz ao filho, sem nem entender que está sendo preconceituosa -, mas transformando-a em uma mulher divertida, honesta e talentosa que é, afinal, uma companhia interessante durante a projeção e alguém por cuja felicidade torcemos.
Ricki and The Flash é a sessão perfeita para uma tarde entre mãe e filha, mas também eficiente ao público geral que procure uma comédia dramática repleta de personagens complexos e humanos.
“Ricki and The Flash” (EUA, 2015) escrito por Diablo Cody, dirigido por Jonathan Demme, com Meryl Streep, Kevin Kline, Mamie Gummer e Sebastian Stan
