Rivais | Quem vence no final é o espectador

Em seu segundo “filme americano” (oitavo na carreira), o cineasta italiano Luca Guadagnino vai em busca do complicado desafio de fazer com que o chatíssimo tênis (esporte) se torne empolgante, tenso e, mais do que tudo, sexy. Quem não acreditar nessa afirmação, está mais que convidado a conferir Rivais, seu novo filme.

O roteiro de Justin Kuritzkes é de uma simplicidade que ultrapassa essa primeira impressão e chega em um lugar que não é complexo, mas sim desafiador e tão cheio de significados escondidos por trás de desejos que fará todos no cinema se empolgarem com a bolinha amarela indo de um lado para outro, mas como diria os memes: “pela trama” (mas nesse caso, literalmente).

Uma história que começa olhando para um jogo de tênis que parece estar acontecendo em um torneio “meio qualquer” em New Rochelle, Nova York, bem longe de qualquer aberto da ATP. O roteiro faz questão de explicar essa dinâmica dos abertos para situar os espectadores que caírem de paraquedas no esporte. E isso é importante para entender a dinâmica desses personagens? Talvez sim. Talvez sejam só preliminares.

Art Donaldson (Mike Faist) e Patrick Zweig (Josh O´Connor) estão nessa quadra, na final dessa disputa que parece, logo de cara, absolutamente menor do que os ápices de suas carreiras o levaram. No meio deles, entre a bola indo e vindo de um lado para o outro com os olhares da plateia, está Tashi Donaldson (Zendaya). Ravais é sobre esses quatro personagens: Art, Zweig, Tashi e tênis.

Em certo momento, Tashi, lá atrás, quando o trio ainda jovem se encontra pela primeira vez, afirma que uma partida de tênis é como uma relação. Então talvez Rivais seja mais sobre isso, uma inesperada metáfora que usa o esporte como símbolo para o sexo. Ou amor. Talvez apenas uma transa ardente e fugaz. O que importa é que é sexy, tenso, suado e com dois (ou mais) corpos “se enfrentando”. Com os olhares tendo que correr em busca do lugar certo para olhar.

Guadagnino compõe seu filme através dessa mesma dinâmica do olhar que corre em busca da bola de tênis. Não só dividindo suas construções visuais como uma quadra de tênis, mas deixando sempre essa impressão de que as cenas estão indo de um lado para o outro. Seja com diálogos que vão revezando pelos personagens, seja com cortes que criam uma sensação de espelhamento. Como se todos estivessem no mesmo lugar de poder. Ou de fragilidade. E o que parece uma decisão estética metido a besta no começo, acaba se tornando uma grande (e sexy) brincadeira que culmina em uma deliciosa cena de tênis que mergulha de cabeça em uma catarse barulhenta, raivosa e apaixonante. Que deixa o espectador com um sorriso no canto dos lábios com a sensação de dever cumprido.

É essa dicotomia narrativa que perdura pelo filme inteiro que vai o fazendo crescer e se tornar essa experiência que surpreende e excita. Não no sentido do sexo propriamente dito, mas sim na torcida de que aqueles personagens se trombem nessas dinâmicas que se confrontam e explodem a cada toque.

A história vai e volta no tempo para entender como esses três protagonistas têm suas vidas misturadas e cruzadas por eles mesmo, suas vontades, desejos, egos e traições. Ao mesmo tempo que vai criando essa relação entre eles que vai além daquilo que está óbvio na tela. Como se a câmera de Guadagnino buscasse sempre um plano detalhe como uma mão na coxa ou até um banquinho sendo arrastado para mais perto. Tudo no campo da sutileza, mas de modo marcante e que não deixa dúvidas de suas intenções. Nem das dele, nem das dos personagens.

E quanto mais todo essa dinâmica passa para as quadras, mais o diretor aposta em um visual que sai do esperado, junto com o trabalho de seu já costumeiro parceiro de direção de fotografia, Sayombhu Mukdeeoprom. E acreditem, nenhum espectador nunca viu uma partida de tênis como essas de Rivais. Tampouco acreditaria que elas poderiam ser tão sensuais e violentas. Encarar a bolinha vindo de frente para você é uma ameaça, mas acompanhar a cena grudado nela é algo desafiador para a sanidade de qualquer um.

Mas voltando ao “sexy”, Rivais é lascivo não por uma ou outra cena (que são até comportadas), mas sim por deixar que esses personagens se permitam ser carregados por aquilo que desejam internamento, mais do que externamente. O que parece ser só uma partida de tênis é muito mais do que isso.

Essa exposição também é movida pelo trio de atores e um trabalho de nuances. Três protagonistas diferentes entre si, mas que se encaixam tão perfeitamente que permitem que o elenco aja com uma naturalidade visceral para cada construção. Enquanto os dois realmente parecem água e fogo, ela (Zendaya) surge como um terceiro elemento que junta tudo e faz com que se forme o amalgama de outra coisa. Zendaya soa como se sempre estivesse no controle de sua personagem, o que permite que o final seja ainda mais poderoso e incrível. Faist e O´Connor sabem que representam dois lados de uma mesma moeda e nunca se deixam levar por qualquer atalho, pelo contrário, valorizam esse jogo, esse embate em absolutamente cada cena que dividem.

Mas talvez nada disso teria um peso tão grande e seria tão valorizado se não fosse a poderoso trilha sonora dos ex-Nine Inch Nails e ganhadores do Oscar Trent Raznor e Aticcus Ross. É como se a cada momento que tudo rumasse para uma solução que vai além da calmaria que os personagens esperam, tudo se torne a pista lotada de alguma discoteca alta com uma música eletrônica que quebra a expectativa do clima do filme, jogando tudo para o alto e deixando as soluções todas de cabeça para baixo.

Esse clima de conflito de expectativa musical é perfeito para a ideia de Guadagnino. Seu Rivais não é um filme sobre aquilo que se espera. Não é sobre tênis do jeito previsível que poderia, mas sim um filme que desafia seus personagens a irem até os lugares que eles lutam com todas armas para não irem. O espectador vai junto, vive essas decisões estranhas e esses sentimentos que não parecem caber em um filme comum, muito menos em uma pontuação com sets e matchs. É preciso ir além disso, viver essa trocas de saques e respostas como uma experiência absolutamente sexual. E não importa onde a bolinha vai parar no final, e nem adiante ter raiva disso, o melhor é relaxar e aproveitar.


“Challengers” (EUA, 2024); escrito por Justin Kuritzkes; dirigido por Luca Guadagnino; com Zendaya, Mike Faist e Josh O´Connor


Trailer do Filme – Rivais

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