Para qualquer lado que você olha de Sem Remorso surge um nome que te fará criar uma expectativa gigante. O que não chega a ser um problema, já que o filme cumpre absolutamente tudo aquilo que promete e se torna um dos filmes de ação mais interessantes de 2021, independente do que o resto do ano traga com ele, seja nas salas de cinema ou no sofá de sua casa.
Talvez esse seja o único problema de Sem Remorso: ele vai ser visto a partir do sofá de sua casa e merecia muito mais, até porque, tem grandes chances de estar inaugurando “nos cinemas” uma daquelas poucas franquias de sucesso que Hollywood ainda não tinha tentado levar para a telona. Quer dizer, já levou, mas “não levou”.
Enquanto Tom Clancy é um dos escritores mais lidos dos Estados Unidos nos últimos 40 anos (fora de lá seus livros não emplacaram tanto assim, por serem muito “americanos”), seus personagens já estiveram no cinema um punhado de vezes enquanto acompanhavam as peripécias do meio agente/meio analista Jack Ryan. O próprio John Clark de Sem Remorso já deu as caras algumas vezes nesses filmes.
Mas o lugar onde Clark brilha mesmo é nos vídeo games, ainda que indiretamente, já que a estrela dos jogos é seu grupo Rainbow (fique até o final dos créditos de Sem Remorso para ter uma surpresa ao estilo Nick Fury no primeiro Homem de Ferro). Rainbow Six, o jogo, é batizado como um dos livros de Clancy, e conta a história desse grupo antiterrorista de soldados especializados em liberação de reféns e outras ações táticas de invasão de ambientes.
Sem Remorso tem um pouco disso, mas é na verdade um “Rainbow Six Begins” e acompanha a história de John Kelly (Michael B. Jordan), um soldado SEAL que sai de uma missão esquisita em Aleppo (Síria), liderada por um agente da CIA (Jamie Bell) e que libera um prisioneiro russo. Clancy tem uma certa obsessão pela USSR e isso se mantém mesmo depois da Guerra Fria e nas adaptações de suas obras, até naqueles como Sem Remorso, que não tem nada a ver com o seu livro.
A ação (diferentemente das páginas) começa quando Kelly volta aos Estados Unidos e vê, tanto seus companheiros de equipe, quanto sua esposa grávida, serem executados por um grupo misterioso de… russos. Como é de se esperar, Kelly sobrevive e, diante do descaso do governo dos Estados Unidos e da vingança, parte em uma guerra solitária para fazer justiça… sem remorso.
Tudo bem, dito assim parece meio bobo, mas não é. Por mais que o livro não chegue nem perto dessa premissa, o filme toma absolutamente todos caminhos certos para chegar em um eficiente thriller político repleto de ação e com um punhado de ótimos personagens. O que é a cara do Tom Clancy.
O roteiro é escrito pelo ótimo Taylor Sheridan que emplacou quatro trabalhos fantásticos nos últimos cinco anos: Os dois Sicário, A Qualquer Custo e Terra Selvagem. Ao lado dele nos textos está o desconhecido Will Staples, que você pode não ter ouvido falar, mas escreveu o jogo de vídeo game Call of Duty: Modern Warfare 3 e os fãs do jogo irão reconhecer facilmente essa influência.
Sem Remorso não para nem por um segundo, seja estabelecendo essa trama política, seja com os personagens interagindo com eficácia, mas sempre com o objetivo de ser uma espécie de “cut scene” que te coloca dentro da ação, sem você perceber. Quando você menos esperar, tiros estarão voando sobre a cabeça dos personagens, aviões estarão caindo e um monte de soldados estarão surgindo de todos os lados. Sheridan constrói uma trama interessante e que vai além da vingança simples, enquanto Staples parece dar ao espectador a impressão de estar dentro de um divertido e empolgante jogo de tiro.
Para fazer com que tudo isso funcione na tela, Stefano Sollima, um daqueles cineastas que os fãs do gênero deviam estar prestando atenção. O italiano dirigiu o ótimo Suburra em 2015 enquanto assinava um monte de episódios a série Gomorra, isso antes de herdar Sicário de Denis Villeneuve e entregar um Sicario: Dia do Soldado que não deixou nenhum fã do primeiro filme órfão do primeiro diretor.
Sollima é um diretor prática, com uma direção firme, clara e que sabe se portar muito bem enquanto observa as cenas de ação ao invés de tentar se meter no meio delas. O resultado é um filme com um ritmo intenso e, ao mesmo tempo, com uma impressão de ser algo realista e violento, mas nunca chato. O diretor entende o quanto um filme desse tamanho precisa ser cinematográfico, grande, cheio de explosões e cenários gigantescos e entrega tudo isso ao espectador.
No foco de tudo isso, Michael B. Jordan, muito provavelmente começa a se estabelecer como um dos maiores atores de sua geração. Primeiro por conseguir construir um personagem interessante e que trabalha com as nuances emocionais de sua situação ao invés de apelar para um casca-grossa psicopata qualquer que pode sair matando por aí todo mundo só porque sua esposa foi assassinada, como o Hollywood adora, seu John Kelly é cerebral e complexo, não tem uma mesma motivação o filme inteiro e tem objetivos claros. Junte isso a uma disposição física incrível de Jordan e o resultado é uma carreira que ainda deve dar muitos papeis incríveis de grandes heróis de ação para esse ator que já está por aí faz bastante tempo, ainda bem jovem na série da HBO, The Wire.
Resumindo, mas um nome com um retrospecto incrível e que chega à Sem Remorso criando essa “tempestade perfeita”, onde todos envolvidos no filme parecem ter tudo para criar um resultado muito acima da média. É exatamente isso que fazem e é exatamente isso que faz com que Sem Remorso talvez seja um tremendo acerto para o primeiro passo de uma franquia que ainda deve render muitos frutos e dólares para a Amazon e seu serviço de streaming.
“Without Remorse” (EUA, 2021); escrito por Taylor Sheridan e Will Staples, a partir do livro de Tom Clancy; dirigido por Stefano Sollima; com Michael B. Jordan, Jodie Turner-Smith, Jamie Bell e Guy Pearce